Neste artigo, iremos observar em detalhes como este momento único pode influenciar a saúde alimentar do bebê, a partir das inúmeras adaptações ocorridas no corpo e na fisiologia materna, demonstrando a potente relação simbiótica deste binômio “mãe e feto”. 

A conexão é tão intensa e única, que nas fases de gestação e lactação, é possível propiciar experiências e, provavelmente, a construção de memórias ao feto, por meio dos padrões alimentares maternos. É sobre esta ligação tão íntima que quero falar com vocês nesta semana.

Durante a gestação o meio de conexão entre o feto e a mãe é o cordão umbilical e o líquido amniótico, favorecendo o compartilhamento de odores e sabores, que estimulam uma das primeiras experiências sensoriais e que, mais adiante, poderão impactar nas escolhas alimentares que esta criança construirá. Após o nascimento, o leite materno também será um canal de intercâmbio entres estas experiências nutricionais, além das funções imunológica e nutricional já conhecidas, atribuídas a este alimento por muitos chamado de “espécie específico”, devido a presença de imunoglobulinas e outros fatores imunológicos correspondentes ao ambiente em que a mãe e o recém-nascido estão expostos.

A vida intrauterina é dinâmica e os processos são rápidos e precisos. Para que você tenha uma ideia, os fetos humanos em oito semanas de gestação têm as papilas gustativas formadas anatomicamente e, por isto, podem detectar resultados saborosos, já a partir de 14 semanas de gestação. Além disso, as “narinas” ou orifícios nasais fetais, estão abertas para permitir que o líquido amniótico acesse os neurônios sensoriais olfatórios já na 24ª semana gestacional, ou seja, na barriga materna esta criança começa a desenvolver, entre tantas coisas, seu hábito alimentar. 

Por esta maturidade adquirida ainda na gestação, inúmeros estudos vêm sendo desenvolvidos para confirmar a possibilidade dos fetos interagirem por expressões faciais a partir de um contato sensorial com aromas de determinados alimentos, sempre mediados pela placenta ou leite materno. Neste sentido, Hepper (1995) descobriu em um estudo, que recém-nascidos de 15 a 28 horas de idade, podem não apresentar reação aversiva a odor de alho, caso suas mães tivessem consumido deste alimento pelo menos em quatro refeições por semana, no último mês de gestação, sugerindo uma familiaridade com o odor deste alimento e um provável condicionamento ao alimento em questão. 

Ustun et al., (2022) em um estudo bastante controlado e estruturado metodologicamente, publicado na revista Psychol Science, quiseram identificar e avaliar as reações fetais durante a 32 a 36 semanas gestacionais, com a utilização de imagens obtidas por ultrassom, imediatamente após exposição fetal ao sabor de alguns alimentos (via consumo de cápsulas): cenoura, couve, ou de cápsulas sem sabor;  partindo do princípio de que os aromas vegetais poderiam ser transferidos de mãe para feto, pelo líquido amniótico. Como resultado encontraram algumas reações interessantes, uma vez que, ao sentirem o aroma adocicado da cenoura, os fetos expostos a esta condição imprimiram um sorriso que podia ser notado na imagem, e quando ocorria a exposição a couve a expressão observada na imagem era categorizada pelos pesquisadores como “de choro”, talvez pelo maior amargor associado ou ao odor que lhes parecia desagradável. 

Já é conhecido pela ciência que os bebês humanos têm uma predisposição para aceitar o sabor doce e rejeitar o azedo e amargo, uma vez que o leite materno tem predomínio do sabor doce. No entanto, essas respostas aos sabores básicos, doce, salgado, amargo e azedo, podem ser modificadas pela exposição repetida a diferentes alimentos. 

Assim como o líquido amniótico, o leite humano atua como um “mensageiro” de sabores e odores para a construção de experiência sensoriais importantes a partir da dieta materna, com consumo de bebidas como álcool, anis, suco de cenoura e alho, com posterior análise sensorial do líquido amniótico.  Embora estas pesquisas apontem algo ainda muito recente, se pensarmos a respeito, é possível reconhecermos que talvez o melhor momento para começarmos a influenciar positivamente os hábitos alimentares de nossos filhos seja durante a gestação e a lactação. Portanto, a gestação deve ser um processo planejado, responsável e consciente, uma vez que, poderá modificar de forma significativa o padrão alimentar e a saúde atual, e futura, deste feto. 

Um brinde à ciência!!!

 

*O conteúdo desta matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.

Referências Bibliográficas

Ustun B, Reissland N, Covey J, Schaal B, Blissett J. Flavor Sensing in Utero and Emerging Discriminative Behaviors in the Human Fetus. Psychol Sci. 2022 Oct;33(10):1651-1663. doi: 10.1177/09567976221105460. Epub 2022 Sep 21. PMID: 36130610.
Spahn JM, Callahan EH, Spill MK, Wong YP, Benjamin-Neelon SE, Birch L, Black MM, Cook JT, Faith MS, Mennella JA, Casavale KO. Influence of maternal diet on flavor transfer to amniotic fluid and breast milk and children’s responses: a systematic review. Am J Clin Nutr. 2019 Mar 1;109(Suppl_7):1003S-1026S. doi: 10.1093/ajcn/nqy240. PMID: 30982867.