Em um mundo dominado pela tecnologia, as preocupações sobre o impacto das telas no desenvolvimento infantil tornaram-se predominantes. Para lançar luz sobre essa questão, conversei com a Dra. Ana Escobar, renomada especialista no campo da pediatria. Em nossa entrevista, abordamos desde os potenciais perigos do uso excessivo de dispositivos eletrônicos até as diretrizes ideais para integrar a tecnologia na vida das crianças. Com uma visão equilibrada e fundamentada em pesquisas, a Dra. Escobar nos oferece insights valiosos sobre como a tecnologia pode conviver harmoniosamente com o desenvolvimento saudável da próxima geração.

 

Fabrício Machado (FM): Quais são os principais impactos das telas no desenvolvimento físico e mental de crianças?

Ana Escobar (AE): O uso excessivo de telas na infância pode comprometer o desenvolvimento físico e mental das crianças. Sob a perspectiva do desenvolvimento físico, as telas aumentam a inatividade corporal, em um momento crucial de crescimento e aquisição de habilidades físicas. Isso predispõe ao sedentarismo e consequente aumento da obesidade com todas as implicações decorrentes, como maior chance de síndrome metabólica (hipercolesterolemia, doenças cardiovasculares e diabetes) na vida adulta. Em relação à saúde mental, estudos demonstram que o uso de telas por mais de 2 horas por dia pode estar associado a mais sintomas de ansiedade e depressão nas crianças e adolescentes. Recente estudo publicado na Revista Jama apontou que crianças de 1 ano que usaram telas por tempo prolongado – mais de 1 hora por dia – apresentaram maior índice de atraso no desenvolvimento da comunicação e resolução de problemas nas idades de 2 e 4 anos. As telas fazem e farão parte da vida de todos nós, especialmente das crianças. Porém, seu uso na infância deve ser criterioso e seguir normas de conduta definidas cientificamente para que o desenvolvimento físico e mental dos pequenos não fique comprometido.

 

(FM): Existe uma idade ideal para introduzir tecnologias como smartphones e tablets na vida de uma criança?

(AE): Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, as telas não devem ser usadas por crianças com menos de 2 anos de idade. De 2 a 7 anos, apenas 1 hora por dia. Acima dessa idade, as telas recreativas devem-se limitar a 2 horas por dia.

 

(FM): Como o tempo de tela afeta a qualidade do sono em crianças e adolescentes?

(AE): Para que as pessoas iniciem o sono, é essencial que se libere um hormônio chamado melatonina. A liberação desse hormônio, por sua vez, é estimulada pelo ambiente escuro, sem luz direta nos olhos. O uso de telas antes de dormir, portanto, dificulta a liberação de melatonina e faz com que as pessoas que usualmente ficam vendo celular ou tablets à noite, na cama, tenham dificuldade para adormecer. Resultado: dormem pouco e acordam exaustas. Esta privação de sono pode comprometer a atividade física e a capacidade de aquisição de conhecimentos. Portanto, telas, privação de sono e baixo rendimento escolar têm sido normalmente relacionados.

 

(FM): Qual é a relação entre o uso excessivo de tecnologia e problemas de saúde mental, como ansiedade ou depressão, em jovens?

(AE): Vários estudos têm relacionado excesso de telas e maiores índices de depressão e ansiedade em adolescentes no mundo inteiro. Um modelo proposto é um ciclo que se forma onde o excesso de telas leva a menor interação pessoal presencial, o que levaria a maior solidão e esta, por sua vez, condicionará a mais uso de telas, que perpetuariam este ciclo. Além disso, o uso de redes sociais em excesso também poderia levar a mais depressão e ansiedade, uma vez que as pessoas, em geral, constroem personagens de si mesmas com as melhores fotos, as melhores viagens, as melhores comidas, o cabelo e o corpo mais bonitos. Só que quando o personagem criado tem que aparecer presencialmente e “enfrentar” o olhar real de todos, há um conflito do qual se tende a fugir, escondendo-se na solidão de um quarto. Este fenômeno é comum em meninas, principalmente.

 

(FM): Quais são as melhores práticas para pais e cuidadores que querem limitar o tempo de tela de seus filhos?

(AE): Conversar TODOS os DIAS. Pais devem estar constantemente presentes na vida de seus filhos. Um bom momento para isso seria o jantar, onde todos deveriam conversar sem telas e falar sobre suas vidas, dificuldades e momentos legais. Pais e filhos dialogando. A confiança mútua permite que pais definam regras juntos com seus filhos e essas regras devem ser seguidas pela família. Mais importante, os pais devem dar o exemplo. De nada adianta restringir o tempo de celular dos filhos se os pais passam horas da família grudados nos seus próprios celulares.

 

(FM): Há algum benefício educacional no uso de telas, ou isso é um mito? 

(AE): Não é mito. Claro que há muito benefício educacional no uso de telas. Assuntos complicados podem se tornar muito mais simples com a visualização de imagens e/ou filmes nas telas. As telas fazem e farão, cada vez mais, parte de nossa realidade e futuro e podem, com toda certeza, ser utilizadas para construir conhecimento e aprimorar valores. Há que se encontrar o ponto de equilíbrio, sem nunca perder a perspectiva de que o contato presencial é essencial para todos nós, humanos, em todas as épocas.

 

(FM): Existe uma diferença no impacto entre diferentes tipos de conteúdo de tela, como jogos eletrônicos, redes sociais e programas educacionais? 

(AE): Sim. A interação de jovens com estes diferentes tipos de conteúdo é também diferente. Estudos apontam, por exemplo, que a depressão aumenta em jovens com o uso excessivo de telas. Porém, esta mesma relação não foi identificada quando adolescentes estavam jogando. Jogos em telas não foram, portanto, associados à depressão em adolescentes. A possível explicação para isso reside no fato de que os jogos promovem, em tempo real, interação humana entre os participantes. Já o uso de redes sociais foi, este sim, identificado com maiores índices de ansiedade e depressão, possivelmente por se tratar de atividade onde as pessoas necessariamente se veem impelidas a postar o melhor de si mesmas, construindo um personagem falso que na maior parte das vezes não corresponde ao sujeito real, gerando conflitos comparativos que tendem a minar a autoestima de jovens. Isso foi muito observado em meninas, principalmente. Programas educacionais são utilizados por muitas instituições de ensino e não parecem estar relacionados a impactos negativos no desenvolvimento mental de jovens, principalmente quando associados às atividades onde há interação humana presencial.

  

(FM): Como os pais podem equilibrar o uso da tecnologia com outras atividades essenciais para o desenvolvimento, como brincadeiras ao ar livre?

(AE): O exemplo dos pais diz mais que qualquer discurso. Pais que têm o hábito de se exercitarem ao ar livre, frequentar parques para esportes ou atividades lúdicas, ainda que só aos finais de semana, dão o exemplo e constroem um ambiente familiar propício e mais favorável a este estilo de vida. Ao contrário, pais sedentários têm muito mais dificuldade em equilibrar telas e brincadeiras ao ar livre. Exemplos que geram estilos de vida saudáveis são a melhor forma de atingir o ponto de equilíbrio, sem desgaste de nenhuma das partes.

 

(FM): Qual é a sua opinião sobre aplicativos que afirmam melhorar habilidades cognitivas ou emocionais em crianças?

(AE): Acredito firmemente que nós, humanos, aprendemos com muito mais facilidade quando  nossas emoções estão envolvidas no aprendizado. Estas emoções instigam a curiosidade sobre determinado assunto e a curiosidade aumenta o espectro do conhecimento e facilita a aprendizagem. Gostar é essencial para aprender verdadeiramente. Nesse sentido, pessoas – que sejam professores, amigos ou ídolostêm muito mais poder em nos instigar a curiosidade e, portanto, o conhecimento, do que os aplicativos. Os aplicativos podem ser o veículo para a aprendizagem, mas não a fagulha inicial que gerou a necessidade de se saber mais. Isso é muito humano. E deve seguir assim por muito mais tempo.

 

(FM): Você tem alguma recomendação sobre como as famílias podem criar um “detox digital” eficaz em casa? 

(AE): Viajando. Saindo de casa e conhecendo lugares interessantes, com atividades físicas, muito contato com a natureza, museus, parques temáticos, o que for de interesse de cada família. Há que se romper o ciclo doméstico,  sair de casa e estar juntos em atividades legais para todos. Isso é essencial como primeiro passo. Combina-se o uso de telas previamente, restringindo a horários específicos durante a viagem. Depois conversa-se sobre o uso de telas quando todos voltarem para casa. Viajar é sempre interessante, pois coloca todos fora do ambiente onde as telas estão predominando. Fazer “detox” em casa, sem viajar, sem romper o ciclo,é tão difícil como tentar fazer regime numa casa cheia de comida. Primeiro o rompimento com o ambiente, a reflexão e depois a volta.

 

*O conteúdo desta matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.