Há 10 anos pouco se falava de depressão, transtorno de pânico, transtorno bipolar ou autismo. E nada se falava sobre personalidade borderline ou narcisismo. Não cabe aqui neste texto uma reflexão mais abrangente sobre as causas dessas mudanças. Hoje vou focar nas consequências delas.

Naturalmente, houve grandes ganhos pela popularização disso tudo entre o público leigo. Um desses ganhos é a redução do estigma e do preconceito em relação a quem tem transtornos mentais. A percepção das pessoas sobre portadores de transtornos mentais e sobre a psiquiatria em si foi predominantemente negativa ao longo de toda a história, mas isso mudou muito nos últimos anos. É excelente que possamos falar sobre saúde mental abertamente, e a existência desta própria coluna é uma demonstração dessa mudança.

Justamente nesses momentos precisamos refletir sobre como nos comunicar de forma eficaz sobre esse tema. E aqui me vem imediatamente um problema à mente: como evitar que as limitações atuais do diagnóstico psiquiátrico contaminem esse debate? Talvez eu precise aqui fazer uma digressão: por mais que tenha havido ganhos muito importantes nos últimos 50 anos quanto à maneira como classificamos e diagnosticamos os transtornos mentais, essa ciência ainda é jovem e repleta de limitações.

O objetivo desta coluna é justamente divulgar uma maneira nova de descrever a saúde mental das pessoas e seus problemas, ultrapassando essas limitações. Para isso, vou explicar pra você algumas dessas limitações, com as quais talvez você se identifique. Veja a seguir:

  • Problema da comorbidade

Muitos pacientes ficam assustados ao saberem que têm muitos diagnósticos psiquiátricos: “Nossa, mas eu tenho depressão, ansiedade, insônia e TDAH? Tudo isso junto?” Pois é! A classificação atual tem algo que chamamos de comorbidades, quando usamos uma série de diagnósticos diferentes para descrever todos os sintomas que alguém tem. O problema é parecer que há várias coisas separadas acontecendo em uma mesma pessoa. Na verdade, muitas vezes diagnósticos diferentes têm a mesma origem. Não seria melhor entendermos essa origem?

 

  • Critérios diagnósticos

Se você escrever “depressão” ou “transtorno de pânico” no google, muito possivelmente vai se deparar com os critérios diagnósticos para esses transtornos mentais. A construção desses critérios certamente foi importante para que profissionais diferentes realizassem um dado diagnóstico da mesma forma, mas acaba trazendo um problema pra gente: e se alguém “quase” preenche os critérios diagnósticos? E se alguém que preenchia os critérios diagnósticos, deixa de preencher? O que fazer com um paciente que tem um ou outro de muitos diagnósticos diferentes, mas de forma insuficiente para preencher os critérios para algum desses? O que fazemos nessa situação?

  • Diagnósticos sem contexto

Muitos pacientes se perguntam: e o que isso quer dizer? Será que eu tenho depressão? Não basta a gente descrever algo, a gente precisa explicar. Precisamos entender os mecanismos, o porquê de alguém passar a ter muitos sintomas depressivos em uma determinada época e em uma determinada situação. Uma pessoa simplesmente saber que tem depressão porque tem todos os sintomas de depressão é relevante para o seu tratamento, mas é o primeiro de muitos passos. Os passos seguintes precisam justamente responder a pergunta de forma bastante detalhada: o que aconteceu que essa pessoa deprimiu? Sem esse entendimento, o tratamento não vai ser tão bom quanto poderia.

Os 3 problemas acima, dentre muitos outros, servem para demonstrar que precisamos de um jeito novo de enxergar a saúde mental e as suas dificuldades. Precisamos de um Novo Paradigma, uma nova lente, para entendermos os mecanismos através dos quais alguém fica doente. E como é esse paradigma? 

 

  • Ele parte da personalidade do indivíduo, então torna o indivíduo mais capaz de entender o próprio funcionamento e como é semelhante ou diferente em relação ao funcionamento das outras pessoas.

 

  • Esse próprio funcionamento é contextualizado no desenvolvimento de cada pessoa. Isto é, entendemos como a personalidade veio a se tornar o que é, com base na interação entre tendências de temperamento e experiências pessoais da infância até a vida adulta.

 

  • Promove mudança e amadurecimento: entender como é o próprio funcionamento permite que alguém estabeleça objetivos realistas e eficazes de mudança pessoal.

 

E PERSONALIDADE será o tema da minha coluna aqui na IstoÉ da semana que vem: vou te explicar terça-feira que vem como compreender as próprias emoções, as próprias relações interpessoais e a própria performance em atividades cotidianas, e como isso pode trazer uma revolução na sua vida!

 

*O conteúdo desta matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.