No dia a dia, vejo uma dúvida cada vez mais comum sobre até que ponto o uso excessivo de telas pode impactar nossa postura, principalmente para pacientes que sentem dores localizadas na região do pescoço ou com dores que irradiam para a cabeça, ombros e, às vezes, até para os braços. Essas dores muitas vezes estão relacionadas ao text ou tech neck, fenômeno postural causado pelo uso excessivo de telas. Mas será que essa é a única causa do problema?
O que é o text e o tech neck?
É comum que nós, fisioterapeutas, recebamos um print de tela de ilustração do text ou tech neck de pacientes que sofrem de dor no pescoço. Inclusive, abordamos esse assunto em um bate-papo bem leve no podcast IstoÉ Bem-estar com a Dra. Paola Machado — Ergonomia para uso da tela do computador e ainda comentamos sobre a famigerada papada e linhas de expressão que se formam na região do rosto ou pescoço, devido ao hábito de posicionar a cabeça fletida (dobrada) e anteriorizada.
Geralmente, quando usamos um celular, aproximamos a cabeça da tela (cabeça para frente) e a inclinamos levemente ou simplesmente a “dobramos” para baixo. Esses movimentos de dobrar, inclinar, girar, etc. são naturais e esperados de uma pessoa, e isso é normal, ok? Vale lembrar também que mantemos essa posição ao realizar outras tarefas como costurar, ler, estudar, fazer artesanato, dentre outras atividades.
A postura de cabeça para frente é o defeito postural cervical mais comum no plano sagital (quando você olha alguém de lado) e, claro, pode ser encontrada em diferentes níveis de gravidade. Assim como essa postura é normal, também é comum encontrar pessoas reclamando de dores no pescoço ou dores relacionadas à postura ou tensão. Por isso, hoje vamos falar mais sobre a relação da postura com dores na cervical e na cabeça.
O envelhecimento e a postura
Dê um google para buscar uma imagem de um idoso (beeem idoso) no Google. Certamente você se deparou com a imagem de uma pessoa com uma postura mais curvada para frente. Essa imagem ficou estereotipada e envolve ainda hoje a quebra de paradigmas do envelhecimento. Mas ela pode facilitar a visualizar essa tendência. Com o tempo, naturalmente flexionamos (dobrar e curvar) toda a nossa postura, seja devido à perda de massa muscular ou as mudanças progressivas na amplitude de movimento do pescoço –um termo usado para descrever nossa capacidade de mover/articular partes do corpo.
Alguns estudos também indicam que, no processo de envelhecimento, há uma deterioração progressiva da postura da coluna cervicotorácica (transição entre a cervical e a torácica), enquanto outras revisões sistemáticas descobriram que a idade é o fator que parece desempenhar um papel relevante na dor cervical.
Ainda mais interessante, um estudo tem observado que adultos adotam posturas mais flexionadas do que os mais jovens ao realizar as mesmas tarefas, levando a uma carga extra na coluna. Inclusive, esse fato parece estar relacionado a alterações nos ligamentos, tendões e músculos que, progressivamente, influenciam na “má postura” ou até em lesões.
Postura e as dores cervicais: qual a relação?
Estudos indicam que a cabeça anteriorizada está relacionada a mais visitas ao médico devido a queixas de dor cervical, além de estar intimamente associada ao sedentarismo tanto em idosos quanto em adultos mais jovens.
Uma meta-análise mostrou que adultos que se queixam de dor cervical têm menos ativação e menos resistência dos músculos mais profundos do pescoço. Além disso, eles têm maior atividade dos músculos superficiais em comparação com pessoas sem dor.
Além disso, os dados mostram que a falta de amplitude cervical, ou melhor, —traduzindo de um jeitinho mais simples —que a falta de mobilidade se relaciona intimamente à postura da cabeça para frente nas pessoas.
Para além das pesquisas, que ainda permanecem inconclusivas em relação a alguns fatores de associação, algo que deve ser lembrado por já estar sedimentado e muito bem respaldado no papel de dores é o impacto do comportamento sedentário, da qualidade do sono, de fatores psicossomáticos como estresse e ansiedade, além do processo natural do envelhecimento.
Segundo a fisioterapeuta osteopata e especialista em ortopedia e esporte, Dra. Ana Clara Desiderio relata:
“Naturalmente, quem permanece o dia inteiro trabalhando no notebook, tem tendência a ter comportamentos mais sedentários por permanecer sentado e sua rotina de vida estimular ainda mais esse comportamento. Não é somente sobre o uso do equipamento ou tela, mas como o usa no contexto de vida e saúde de cada pessoa. Por isso, inferir que a culpa seja de uma tela ou demonizar o uso para a maioria da população que trabalha ou depende da tecnologia, não fará a saúde do paciente melhorar sem que haja outras mudanças comportamentais também”.
O uso excessivo de telas e os hábitos no estilo de vida
Muito se atribui o surgimento de dor e incapacidade com o envelhecimento aos malefícios de um estilo de vida sedentário, uma baixa qualidade ou quantidade do sono e exposição frequente a fatores e ambiente de estresse. Mas é necessário enfatizar que o uso excessivo de telas intensifica esses fatores negativos.
Há diversas consequências psicoemocionais que podem impactar a saúde mental de quem permanece muito tempo no tech! Isso vale até mesmo para quem usa as mídias sociais como forma de recreação no “tempo livre”.
Além disso, o uso de telas interfere no sono —isso é, quem faz uso de telas à noite pode perder qualidade de sono. Enfim, as telas fazem parte do cenário influenciando tanto para uma postura pobre (curvada e enfraquecida) devido ao hábito postural e comportamento sedentário, quanto também interferindo na saúde e predisposição do corpo a ter mais dores devido aos demais fatores que criam hábitos pouco saudáveis no estilo de vida que se influenciam mutuamente.
“Geralmente, o estopim para as dores nesses pacientes são aquelas fases em que o cansaço físico e mental se acumula num cenário de pressão no trabalho + hábitos de vida ruins, somando-se à noites mal dormidas, má alimentação e falta de exercícios. Parece ser “do nada” a dor, mas nunca é do nada ” Dra. Ana Clara Desiderio, da Clínica La Posture.
Entenda mais sobre o papel do estresse desencadeando dores.
Mas se eu estiver desconfortável com minha postura ou pior, e se eu sentir dor? O que devo fazer?
Existem diversas formas de amenizar a postura da cabeça para frente em quem tem dores. Estudos que investigaram a eficácia de programas de tratamento para o manejo da dor, relataram melhora significativa através de exercícios posturais corretivos e técnicas de terapia manual que reduzem contraturas. Claro, vale a educação em saúde ao reavaliar a postura e a ergonomia do ambiente de trabalho, além da auto observação em rever o uso das telas na rotina e se atentar ao sedentarismo!
Aqui, vale reforçar como fisioterapeuta que tratar a dor será sempre necessário e você pode agendar uma consulta para amenizá-la sem uso de medicação. Assim que a dor amenizar, vale reorganizar a quantidade e qualidade de sono, o tempo que você permanece exposto às telas (incluindo o tempo de trabalho sentado em frente ao computador e o tempo de lazer fazendo uso de jogos online ou nas redes sociais), sua rotina de atividades físicas ou sedentarismo, e também o manejo e controle de estresse na sua rotina de vida.
A ideia não é disseminar o medo de que a tela ou tecnologia seja a causa de dores ou de sua qualidade de vida ruim. Mas sim, te fazer reavaliar se hoje as telas ocupam um papel central ou um espaço muito grande no seu dia a dia a ponto de interferir em todos os demais aspectos da sua vida.
Se você estiver com dor, procure orientação médica. Você quer aprender alguns exercícios que ajudarão a aliviar a tensão no seu pescoço e cabeça? Então, clique aqui para aprender com a fisioterapeuta especializada da Clínica La Posture.
*O conteúdo desta matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.
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