Desde a infância escuto a seguinte frase: de médico e louco, todo mundo tem um pouco. Mas com o passar dos anos percebi que se trocarmos a palavra “médico” por “nutricionista” a frase faz ainda mais sentido. Afinal, é muito comum escutarmos todos os dias recomendações nutricionais em todos os locais, desde a casa da tia e trabalho, a redes sociais. Por um lado, isso é incrível, pois mostra a busca por melhores escolhas alimentares e preocupação com a saúde. Porém, dentro de milhares de informações disponíveis, também encontramos muitas inadequadas e que inclusive podem gerar fobia alimentar.

Hoje em dia, no meu consultório, a carbofobia é o que eu mais encontro. São pacientes que buscam reduzir o consumo de carboidratos cada vez mais, acreditando que essa é a melhor estratégia para o emagrecimento. Alguns chegam a reclamar que são viciados em açúcar e necessitam comer um doce após o almoço. Entendo a angústia desse paciente e o quanto realmente pode ser complexa essa necessidade. Para quem nasceu na década de 80 ou 90, quando não tínhamos informações nutricionais robustas, fomos alimentados livremente com biscoitos doces, salgadinhos e sorvetes. E ainda existia o apelo saudável, já que os produtos eram enriquecidos com ferro e cálcio. Também podemos ir mais além, para a década de 50, época em que o leite condensado era utilizado como substituto do leite materno. 

Hoje sabemos a consequência dessas práticas inadequadas ao longo da infância e adolescência, o quanto refletem nas escolhas alimentares e saúde na vida adulta. Nós passamos décadas consumindo alimentos ricos em açúcar e queremos uma fórmula mágica para romper essa necessidade do dia para a noite. Digo isso porque tenho muitos pacientes que pedem uma formulação para drenar a vontade de consumir doces. Para alguns, essa mudança alimentar pode ser muito simples e fácil, já para outros é extremamente desafiadora. Felizmente hoje a ciência explica que é uma questão multifatorial e não apenas questão de força, foco e fé.

Mas será que os carboidratos são vilões e realmente existe esse vício em açúcar?

Vamos começar a nossa conversa definindo o que são carboidratos. Existem vários tipos de carboidratos, que podem apresentar quantidades e estruturas distintas em cada alimento. Basicamente, os carboidratos são classificados quimicamente entre simples e complexos. E isso significa que os simples são menores, como é o caso da glicose, galactose, lactose, frutose e sacarose, presentes em alimentos como leite, mel e frutas. Já os carboidratos complexos são formados de várias unidades de glicose, como é o caso do amido, que pode estar presente no pão, bolo, macarrão, farinha de trigo e mandioca.

Veja bem que aqui já temos algo que confunde muita gente, afinal tanto o pão branco quanto o pão integral apresentam carboidratos complexos. A diferença se dá pelo processamento, onde o pão integral tem mais fibras e o pão branco tem menos. O consumo de carboidratos, assim como qualquer outro macronutriente, deve ser ajustado para cada indivíduo. Portanto, a quantidade e qualidade dos carboidratos ofertados deve ser ajustada de acordo com o objetivo e necessidade de cada paciente. Entretanto, saiba que o consumo de carboidratos não causa prejuízos, desde que não seja em excesso. Em outra oportunidade, posso explicar para você com detalhes sobre essa questão.

Nesse momento, gostaria de focar sobre o possível vício em açúcar.

Primeiramente,  é importante compreender que o vício está descrito no DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) e é caracterizado pela perda de controle e persistência no uso de drogas. Pensa-se que alguns indivíduos possam desenvolver dependência alimentar e apresentem sintomas semelhantes aos do abuso de drogas, incluindo perda de controle e abstinência. Vale observar que normalmente é muito raro um indivíduo ter desejos e cometer loucuras por um pacote de açúcar puro. O mais comum é a vontade de comer um doce saboroso que apresenta diversos ingredientes além do açúcar. Por isso, é fundamental ressaltar que existem poucos estudos que avaliaram o vício do açúcar em humanos (a maior parte foi feita com animais) e existe um desafio metodológico em traduzir os resultados para humanos, visto que esses raramente consomem açúcar isoladamente. 

No artigo “Sugar addiction: the state of the science” os pesquisadores argumentam que a maioria dos estudos são limitados e não convincentes o suficiente para apoiar a ideia de que o açúcar é viciante em humanos. Os autores também destacam que vários elementos-chave da dependência de drogas não foram avaliados nos modelos de dependência de açúcar. Ainda, é importante observar que existem efeitos comportamentais que vão além dos neurais e neuroquímicos, associados ao consumo de alimentos doces e saborosos. 

É fato que devemos nos preocupar com o consumo excessivo de açúcar e entendo que muitas pessoas relatam essa necessidade incontrolável de comer um doce –preste atenção já que isso significa um doce completo e não apenas açúcar puro, sempre separem ambos. Atualmente, existem limitações científicas e acredito ser prematura essa classificação de vício em açúcar e mais pesquisas são necessárias para compreender quais mecanismos estão associados com essa possível e talvez teórica dependência do açúcar.

Apesar de não existir evidência científica sobre o vício em açúcar e acreditar que vício é algo muito mais profundo e que causa angústias para qualquer dependente químico, o uso abusivo de açúcar não deve ser incentivado. Precisamos entender a necessidade de uma alimentação saudável e reduzida em açúcares desde a gestação e infância até a senescência. E isso deve ser ensinado em larga escala, o que inclui a criação de políticas públicas relacionadas ao acesso adequado à alimentação para todo o território nacional.

*O conteúdo dessa matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.

Referências Bibliográficas

WESTWATER, Margaret; FLETCHER, Paul; ZIAUDDEEN, Hisham. Sugar addiction: the state of the science. Eur J Nutr. v. 55, n. 2, p. 55, 15 mar. 2016.
NELSON, David L.; COX, Michael M.. Princípios de bioquímica de Lehninger. 7 Porto Alegre: Artmed, 2019, 1278 p.