O leite sempre está em alta nas redes sociais e é normalmente associado com condições prejudiciais e inflamatórias.

É importante observar que a maioria das alterações inflamatórias crônicas (por exemplo, obesidade, diabetes mellitus, esteatose hepática), assim como as doenças alérgicas são influenciadas pela alimentação e desse modo, cada vez mais surge a necessidade em estudar mais sobre os mecanismos envolvidos. Portanto, os produtos lácteos representam um grupo alimentar particularmente relevante quando falamos sobre inflamação.

É importante lembrar que desde o início da vida, o leite materno está associado com o desenvolvimento do sistema imunológico do bebê, por inibir o crescimento bacteriano e por fornecer proteção antioxidante. Mas é fato que para os seres humanos, o leite de vaca é diferente do leite materno e, dessa maneira, pesquisas científicas são necessárias para compreender melhor sua ação.

Estudos sobre a ação do leite no nosso organismo

Uma revisão importante da revista Critical Reviews in Food Science and Nutrition demonstrou que em 52 estudos em humanos, o consumo de produtos lácteos está associado a propriedades anti-inflamatórias. Ao estratificar os resultados do estudo de acordo com o estado de saúde dos indivíduos inscritos, identificaram uma atividade pró-inflamatória de produtos lácteos em indivíduos com alergia ao leite. Esse resultado é esperado, pois as reações de hipersensibilidade obviamente podem estar ligadas ao estado pró-inflamatório. É fundamental distinguir alergia à proteína do leite de vaca de intolerância à lactose, afinal são condições clínicas bem distintas. Assim, pessoas com alergia comprovada não devem consumir o leite. Por outro lado, as demais pessoas podem consumir caso tenham esse costume ou vontade.

Um outro estudo publicado em 2014 pelo The American Journal of Clinical Nutrition avaliou oito pesquisas científicas que investigaram o impacto do consumo de produtos lácteos em biomarcadores de inflamação em adultos com sobrepeso e obesidade. Os autores concluíram que o consumo desses produtos não exerceu efeitos adversos sobre os biomarcadores de inflamação.

Mais um estudo, dessa vez publicado em 2019 pela American Society for Nutrition, relatou através de 16 pesquisas científicas, que o consumo de leite ou produtos lácteos não mostrou um efeito pró-inflamatório em adultos saudáveis ou entre adultos com sobrepeso ou obesidade ou até que tinham síndrome metabólica ou diabetes mellitus tipo 2. Também é importante lembrar que o leite integral apresenta maior teor de gordura saturada e que em excesso, pode não ser interessante, especialmente para indivíduos que apresentam elevação de colesterol. Assim, escolher o leite desnatado pode ser uma opção mais prudente.

Eu sei, não é tão fácil acreditar que o leite não é inflamatório, afinal é provável que muitos de vocês tenham sido bombardeados com informações ruins perante o consumo de leite. Mas é fundamental observar que a pesquisa científica nos traz informações relevantes, concretas e confiáveis, desde que os estudos sejam bem elaborados (assim como esses que eu mostrei ao longo do texto).

Ainda, muitos podem argumentar que o leite de caixinha é inadequado por conta dos aditivos presentes. Primeiramente, é importante compreender que os leites passam por tratamentos térmicos para assegurar a segurança contra patógenos. Assim, o leite UHT é submetido a uma temperatura elevada (130° e 150°C por 2 a 4 segundos) e depois resfriado imediatamente, para que exista longa duração do produto. Sendo assim, o leite não tem conservantes e inclusive, a legislação brasileira (Portaria nº 370, de 04 de setembro de 1997, do Ministério da Agricultura e do Abastecimento) proíbe a adição de conservantes no leite.

Caso você leia o rótulo do leite e ainda fique em dúvida nos nomes dos ingredientes adicionados, saiba que são estabilizantes, vitaminas e minerais. Os estabilizantes são adicionados para manter as características físicas do produto (que seja líquido, fluido, sem grumos), sendo a adição do mesmo, permitida por legislação, visto que estabilizantes são aditivos e não possuem a função de conservantes. As vitaminas e minerais podem ser adicionados, visto que podem sofrer redução no processo térmico.

Para finalizar, é fato que muitas pessoas não gostam ou não querem consumir o leite, e está tudo certo, afinal cada um está livre para fazer suas escolhas. Alguns realmente sentem desconforto (apresentam alergia ou intolerância), são vegetarianos estritos ou veganos ou não gostam do sabor. Assim, não é obrigatório consumir leite, mas não temos evidência científica de que ele seja inflamatório. Muito pelo contrário, os principais estudos científicos demonstram características anti-inflamatórias.

 

*O conteúdo dessa matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.

Referências Bibliográficas

Labonte, M. E., Couture, P., Richard, C., Desroches, S. and Lamarche, (2014). Impact of dairy products on biomarkers of inflammation: a systematic review of randomized controlled nutritional intervention studies in overweight and obese adults. Am. J. Clin. Nutr. 97:706–717
 Bordoni A, Danesi F, Dardevet D, et al. Dairy products and inflammation: A review of the clinical evidence. Crit Rev Food Sci Nutr. 2017;57(12):2497-2525. 
 Ulven SM, Holven KB, Gil A, Rangel-Huerta OD. Milk and Dairy Product Consumption and Inflammatory Biomarkers: An Updated Systematic Review of Randomized Clinical Trials. Adv Nutr. 2019;10(suppl_2):S239-S250.