Basta você se tornar mãe ou pai, que você adentra o universo do desenvolvimento infantil!  Sim, você naturalmente passa a se questionar e ser confrontado com coisas que nunca havia parado para pensar antes da parentalidade. Algumas questões passam por educação, saúde e entre essas, certamente se seu filho(a) brinca no chão, você já se deparou com a seguinte cena: a criança sentada com os pezinhos virados para trás, formando uma posição em W.

Essa é uma postura considerada “ruim” e frequente alvo de discussões. Muito comum, os pais nos perguntarem preocupados se podem deixar a criança assim, pois acabam ouvindo alguém dizer que faz mal para a coluna ou até para o desenvolvimento das pernas da criança. Mas será que esse seria apenas mais um mito ou seria um fato a ser corrigido? 

A postura sentada em W é apenas uma das variações do sentar. Vale entender que, dentro de um recorte de desenvolvimento motor infantil esperado, essa posição oferece uma maior estabilidade para o corpo da criança e permite que ela explore o ambiente com o uso mais eficiente das mãozinhas. 

E, justamente por esse motivo, é super comum observar a criançada entre 4 e 8 anos sentada brincando nessa postura, que, acredite, apesar de parecer desconfortável para um adulto, é super aconchegante para a maioria das crianças.

Mas por que é tão comum ver a criançada assim?

Um fator anatômico essencial a ser considerado é a anteversão femoral mais acentuada nas crianças. O fêmur (osso da coxa), articula-se com a bacia por meio de sua cabeça e colo. Na criança, a cabeça do fêmur se posiciona mais virada para frente, caracterizando a chamada anteversão femoral. 

Grande parte das crianças nos primeiros anos de vida tende a apresentar rotação interna de fêmur e da tíbia –com joelhos e dedos dos pés apontados para dentro.

Enquanto na infância, a anteversão femoral é mais pronunciada, ela tende a reduzir à medida que a criança cresce. Em média, crianças têm cerca de 40 graus de anteversão, e os adultos,  aproximadamente 15 graus. 

Além disso, todas as articulações de uma criança estão em formação, o que torna os movimentos mais maleáveis e favorece diversas posturas. Por isso, as crianças são super flexíveis, certo? 

Resumidamente, esse posicionamento facilita o sentar na posição em W na criança.

Por que eles insistem em sentar assim?

Sentar em indiozinho” –Tente imaginar que, toda vez que a criança vira a coxa para fora (como para sentar em “indiozinho ou borboletinha”), a cabeça do fêmur tende a virar ainda mais para frente. 

Por outro lado, quando ela vira a coxa para dentro (ao sentar em W), a cabeça fica mais para trás —e mais alocada (encaixadinha) no quadril. Por isso, a maioria das crianças nos primeiros anos de vida tende a apresentar rotação interna de fêmur e a tíbia —joelhos e dedos dos pés apontados para dentro.

Devo me preocupar?

Para a grande parte (95%) das crianças neurotípicas, não há motivo para preocupação. Sentar em W é confortável e comum durante a primeira infância, e a maioria superará naturalmente essa posição por volta dos 8-10 anos de idade. Isso é, apenas uma pequena porcentagem pode desenvolver complicações como uma marcha com rotação interna dos pés.

Uma outra preocupação dos pais, é que essa posição gera complicações no desenvolvimento e displasia do quadril. Mas a fisioterapeuta ortopédica e osteopata, Dra Ana Clara Maldonado, traz que, recentes pesquisas, como a de Rethlefsen et al. (2020), não encontraram associação entre o sentar em W e a displasia de quadril. Portanto, ela tranquiliza que, para a grande maioria, a posição não se relaciona ao desenvolvimento de problemas ortopédicos.

Mas, como fisioterapeuta, ela também traz alguns cuidados: “É essencial mencionar que passar muito tempo na posição em W pode sim, gerar consequências a médio e longo prazo, como: redução de coordenação e equilíbrio; restrições no alongamento de alguns músculos importantes; dificuldade na estabilização do tronco…”. Isso é, caso os pais percebam que essa é a única posição de escolha ao sentar da criança ou caso observem que a criança apresenta algum atraso motor, alteração postural em pé, devem ficar atentos. 

Vale lembrar que, 5% das crianças, em especial as que apresentam alta ou baixa tonicidade muscular —o sentar em W traz impactos diferentes e uma diferente abordagem deve ser conduzida. Nesses casos, o acompanhamento profissional é imprescindível.

Então, quando os pais devem buscar ajuda profissional? Se além de sentar em W, a criança apresentar algum dos itens abaixo, é aconselhável buscar avaliação de um especialista:

  • dor ou cansaço, 
  • quedas frequentes, 
  • atraso motor grosso, 
  • rotação interna dos pés (especialmente se for apenas de um lado), 
  • baixa tonicidade muscular, 
  • alta tonicidade muscular, 
  • Se sentar em W é a única posição que ele adota e não consegue entrar e sair dessa posição facilmente.

Lembre-se que, os pais, são os maiores especialistas em observar a criança na rotina. Se a posição em W gera desconforto ou você acredita que seu filho a adota com mais frequência que deveria, fale com o pediatra e não deixe de passar em consulta com um profissional do movimento qualificado para orientações específicas.

Por fim, a ideia da matéria de hoje era tranquilizar alguns pais. As orientações e estudos mencionados são aplicáveis às crianças típicas, sem patologias ou condições genéticas. Toda abordagem deve ser personalizada e conduzida por especialistas, se os pais puderem e tiverem acesso, vale investir em, ao menos, uma consulta com um profissional de fisioterapia e terapia ocupacional para avaliação adequada.

*O conteúdo desta matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.