O câncer é uma doença crônica que atinge grande proporção da população mundial. Vários órgãos públicos e centros de investigação se mobilizam com o objetivo de compreender as suas causas, o curso da doença e como preveni-la. No entanto, é unânime que nosso atual estilo de vida contribui com o aumento no número de casos diários da doença, e nosso ritmo biológico está relacionado com isso. 

Em fevereiro deste ano, o Centro Internacional de Investigações sobre o Câncer, da Organização Mundial de Saúde (OMS), publicou um documento com as estimativas mundiais da doença e o resultado foi preocupante. De acordo com os dados apresentados, durante o ano de 2022, os três tipos de cânceres mais frequentes na população mundial foram: mama (1.871.979 casos), colorretal (1.477.839) e pulmão (1.277.987) e a expectativa não é animadora, já que estes números vêm aumentando ao longo dos anos. 

A OMS alerta também que um pouco menos da metade de todas as mortes decorrentes do câncer são causadas por fatores considerados como modificáveis (tabagismo, consumo de álcool e alimentação inadequada), ou seja, poderíamos trabalhar de maneira preventiva, com resultados promissores no combate a esta doença. 

 

A alimentação e o câncer

O processo de ocidentalização do hábito alimentar resultou em aspectos alimentares como o excesso no consumo de alimentos ultraprocessados, dietas hipercalóricas, excesso de alimentos ricos em gordura saturada e sódio, associados ao baixo consumo dos alimentos fonte de fibra alimentar, cálcio e vitaminas em geral.  Este padrão alimentar quando associado com o desenvolvimento de obesidade e sedentarismo refletem uma combinação altamente favorável para o desenvolvimento de tumores malignos ou cânceres.  

Um conceito que deve ficar claro para você é que, nem sempre quando falamos em tumores, estamos mencionando um câncer, uma vez que os tumores são definidos como uma massa, decorrente do crescimento celular, e que podem apresentar características benignas ou malignas, sendo estes últimos considerados câncer. Alguns dos quais possuem a característica de migrar e invadir a outras partes do corpo, fenômeno conhecido como metástase. 

 

Como o nosso ritmo biológico interfere no desenvolvimento de câncer?

Dentre os fatores já mencionados, outro aspecto que influencia diretamente o desenvolvimento de tumores malignos é o ritmo biológico ou circadiano. Segundo o Prof. Nicolás Tobar, investigador do Instituto de Nutrição e Tecnología dos Alimentos (INTA), os seres vivos evoluíram ajustando o seu funcionamento fisiológico, de acordo com os sinais do entorno, comandados principalmente pela luz solar. 

Todos temos um relógio interno, localizado em nosso cérebro, que está conectado diretamente com os sinais de luz que chegam por meio da retina. Este relógio regula diariamente o funcionamento de nossos genes para que as células atuem de maneira coordenada, antecipando algumas mudanças ambientais. 

Todas as funções biológicas do ser humano apresentam um padrão e ritmo diário, chamado de circadiano, e que são diretamente dependentes deste relógio central finamente conectado e coordenado com outros relógios (chamados de periféricos), presentes nos diferentes tecidos e órgãos do nosso corpo.

A sincronicidade entre estes relógios é peça chave para o bom funcionamento do nosso corpo, sendo o metabolismo um dos inúmeros processos que recebe influência destes ritmos, a partir da flutuação dos níveis de gorduras, glicose, hormônios e outras moléculas, que se comunicam principalmente com o relógio central, regulando ou definindo entre várias funções e respostas internas, a atividade do sistema imunológico, por exemplo. 

Há uma ligação direta entre o nosso metabolismo e o nosso sistema imunológico, impactando na forma como nosso corpo se defende de agressões internas ou externas. 

Adicionalmente, assim como a luz solar, os ciclos de sono e vigília ou de alimentação e jejum, também são capazes de modular o funcionamento dos nossos relógios internos, impactando diretamente em nossa resposta imune. A privação de sono ou o padrão alterado do mesmo, foram associados com deficiências nos mecanismos de reparação do DNA e aumento do estresse oxidativo, favorecendo a ocorrência de mutações e o desenvolvimento de tumores, afirma o professor Tobar. 

Conforme comentamos anteriormente, dormir pouco e/ou dormir mal, ter uma dieta não saudável ou comer durante horas não adequadas ou ainda comer próximo ao horário de dormir, impactará negativamente no ritmo de expressão de genes das células imunológicas, podendo alterar sua capacidade de defesa a partir da exposição de diferentes ameaças. Sabemos que as células do sistema imunológico, quando têm o seu padrão de expressão circadiana alterada, não conseguem responder adequadamente frente a ação de bactérias ou vírus, por exemplo, resultando na multiplicação destes agentes agressores. 

Do mesmo modo, um inadequado funcionamento das células do sistema imune pode influenciar na identificação ou eliminação das células malignas, permitindo o crescimento de tumores. Os macrófagos por exemplo, que são células importantes para a resposta imune, quando seu relógio interno perde o seu ritmo, podem contribuir com o aumento da expressão de moléculas que favorecerão estados inflamatórios, estimularão a malignidade e inibirão a capacidade de outras células em eliminar os tumores. 

Em resumo, o desenvolvimento de tumores malignos é um processo multifatorial complexo, que recebe influência direta de fatores genéticos, mas também de fatores modificáveis, ou seja, que podem ser alterados a partir de mudanças em nosso estilo de vida, a partir do controle de peso corporal, uma alimentação mais saudável e de qualidade, melhora no padrão e duração do sono, redução de estresse e prática regular de exercícios físicos. Portanto, devemos manter uma visão otimista, trabalhando na prevenção e cultivando hábitos de vida. 

 

Colaboração: Dr. Nicolás Tobar é Engenheiro de Biotecnologia Molecular, Doutor em Nutrição e Alimentos da Universidade do Chile —professor assistente do Instituto de Nutrição e Tecnologia dos Alimentos (INTA). 

 

**O conteúdo dessa matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.

***Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.

Referências Bibliográficas

https://gco.iarc.fr/today/en
https://www.who.int/es/news/item/01-02-2024-global-cancer-burden-growing–amidst-mounting-need-for-services
Lewandowska AM, Rudzki M, Rudzki S, Lewandowski T, Laskowska B. Environmental risk factors for cancer – review paper. Ann Agric Environ Med. 2019 Mar 22;26(1):1-7. doi: 10.26444/aaem/94299. Epub 2018 Oct 17. PMID: 30922021. Environmental risk factors for cancer – review paper – PubMed (nih.gov)
Keum N, Giovannucci E. Global burden of colorectal cancer: emerging trends, risk factors and prevention strategies. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2019 Dec;16(12):713-732. doi: 10.1038/s41575-019-0189-8. Epub 2019 Aug 27. PMID: 31455888. Global burden of colorectal cancer: emerging trends, risk factors and prevention strategies – PubMed (nih.gov)