Encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, junto ao Instituto Datafolha, a quarta edição da pesquisa ‘Visível e Invisível’ mostrou que 27,6 milhões de brasileiras (com 16 anos ou mais) relataram que foram vítimas de violência provocadas por parceiro íntimo ao longo dos anos, enquanto 18,6 milhões afirmaram ter sofrido algum tipo de violência ou agressão.

De acordo com Claudia Petry, pedagoga com especialização em Sexologia Clínica, um dos gatilhos dessa problemática é o relacionamento abusivo.

“Trata-se de um padrão ainda exaustivamente estudado, já que existe uma série de contextos por trás deste comportamento. Afinal, nenhuma mulher escolhe viver uma relação destrutiva”, pontua a especialista.

 

Como identificar que o relacionamento mudou seu rumo?

Segundo Bárbara Bastos, sexóloga clínica e educacional, em uma relação saudável, ambos nutrem afeto, respeito, confiança, admiração, empatia, tolerância diante de divergências e, acima de tudo, uma comunicação eficaz e assertiva.

“Já o relacionamento abusivo desvaloriza aspectos fundamentais como autoestima, amor-próprio, equilíbrio emocional e autoconhecimento, além de manter um vínculo totalmente nocivo”, diz Bárbara.

A psicóloga Monica Machado explica que a mudança pode começar de maneira sutil, como uma crítica a um comportamento, a maneira da mulher se vestir, e vai piorando aos poucos, quando o parceiro demonstra claramente que está controlando e perseguindo a mulher, com a pretensão de coagi-la e torná-la submissa a ele.

“Esse tipo de relação resulta também na humilhação em público. Exemplo disso é a postura de reprovação do homem quando a mulher expressa suas ideias durante um encontro entre amigos ou familiares. Ao notar que o outro não gostou, a pessoa se sente intimidada, envergonhada, acaba se calando e ficando apática. Pior: com medo de desagradar, ela insiste em querer justificar a todos o comportamento do outro”, afirma a psicóloga.

Para a psiquiatra Danielle H. Admoni, neste tipo de relacionamento, crenças relacionadas à insegurança e sentimento de inferioridade podem nutrir uma percepção distorcida da relação, havendo uma excessiva idealização do parceiro, inclusive achando que ele irá mudar.

Segundo ela, muitas vezes, não é fácil perceber que o relacionamento está se transformando, já que o abusador costuma usar discursos como “faço isso porque me preocupo com você”, ou “estou cuidando do seu bem-estar e da sua segurança”. Todo este comportamento pode ser erroneamente percebido como amor.

“A pessoa acaba exercendo poder sobre a outra, limitando a sua liberdade, humilhando, denegrindo, impondo sua forma de pensar e ser, de modo que ela acaba perdendo parte de sua identidade. Quando chega a esse ponto de sofrimento psíquico e físico, é hora de rever a relação”, reflete a psiquiatra.

 

Comodismo ou medo? 

Além de questões individuais da mulher, como insegurança, sentimento de inferioridade e necessidade de estar com alguém, muitos fatores contribuem para que ela permaneça em um relacionamento abusivo.

“Algumas tendem a acreditar que não encontrarão outra pessoa. Há também pressões familiares ou sociais, dependência emocional, dependência financeira, medo de se expor e até culpa, pois, muitas vezes, o agressor a responsabiliza pelo comportamento manifestado por ele”, afirma Bárbara Bastos.

Quem passa por esses abusos, “finge” já ter se acostumado, e prefere continuar do jeito que está do que enfrentar os desafios que virão pela frente.

“Essa acomodação pode estar relacionada à própria personalidade da pessoa, alguém que frequentemente se sente frágil e, mesmo sendo abusada, se sente protegida pelo outro. Daí, cria-se uma relação simbiótica, na qual um depende emocionalmente do outro, formalizando um processo de desrespeito e submissão, que é alimentado continuamente”, explica Claudia Petry.

Quando é o momento de pedir ajuda: segundo pesquis, 72,4% das mulheres sentem necessidade de consultar um especialista em saúde mental, enquanto 69,4% consideram buscar suporte legal e serviços que a orientem.

“Quando chega a extremos de agressão verbal e/ou física, a situação passa a demandar uma mudança comportamental urgente, a começar pela busca de um tratamento que visa a ruptura da relação simbiótica e a busca de equidade e equilíbrio. Para isso, é preciso primeiro reconhecer que é parte de uma relação de abuso”, orienta Petry.

Já Monica Machado alerta que, a partir do momento em que a mulher consegue ter consciência da sua realidade e que precisa se libertar da visão que tem sobre amor e respeito, fica mais fácil trabalhar essa distorção em terapia, conseguindo resgatar sua integridade física, moral e psicológica.

“Uma vez fora da relação abusiva, é importante que a mulher se fortaleça, desenvolva autoconhecimento e saiba reconhecer o que define amor“, complementa a host do podcast Ame.Cast.

A psiquiatra reforça que, em caso de violência física e/ou psicológica, é imprescindível conversar com alguém de confiança e procurar ajuda profissional imediatamente.

“Muitas mulheres se sentem envergonhadas e preferem se calar. No entanto, essa ferida pode gerar um trauma e levar a transtornos mentais graves. Guardar para si é alimentar a continuidade da situação, e não pensar que alguém próximo também pode ser vítima algum dia”, finaliza Danielle Admoni.

Para denunciar e/ou pedir ajuda, ligue para a Central de Atendimento à Mulher no 180 ou chame pelo WhatsApp no (61) 99610-0180.

 

Colaboração: 

Claudia Petry, pedagoga com especialização em Sexologia Clínica e em Educação para a Sexualidade pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC/SC), membro da SBRASH (Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana) e professora no Instituto de Parapsicologia e Ciências Mentais de Joinville (SC).

Bárbara Bastos, sexóloga clínica e educacional pela FASEX, pós-graduanda em Sexualidade Humana pelo Child Behavior Institute of Miami (Estados Unidos).

Monica Machado, é fundadora da Clínica Ame.C e pós-graduada em Psicanálise e Saúde Mental pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein.

Danielle H. Admoni, supervisora na residência da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP/EPM) e especialista pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria)

 

*O conteúdo desta matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.