O Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é certamente um dos temas mais comentados do momento. Extremamente popular nas redes sociais, principalmente entre jovens, acaba por trazer dúvidas a muitas outras pessoas, como “será que não está acontecendo um excesso de diagnósticos desse transtorno?” ou “será que TDAH é um uma coisa nova e moderna?” Para responder a essas e outras perguntas, eu vou iniciar uma sequência de colunas aqui na Isto É Bem-estar sobre o TDAH.

Para começar, já saiba o seguinte: o TDAH não foi identificado recentemente, mas passou por décadas de relativa obscuridade até que viesse a ser compreendido como um problema de saúde muito frequente, capaz de comprometer muito a funcionalidade e qualidade de vida dos seus portadores e de seus familiares, inclusive de adultos.

 

Mas afinal, o que é TDAH?

TDAH é uma alteração na trajetória do neurodesenvolvimento, isto é, uma questão de saúde relacionada à maturação do cérebro. Isso significa que seus sintomas têm início na infância e costumam ter um curso relativamente persistente ao longo da vida. Este curso tem um grande contraste com a trajetória dos outros transtornos mentais, como depressão, transtornos de ansiedade e transtorno bipolar, que costumam ter datas de início e de fim mais precisas. Assim, os pacientes com TDAH, em geral, têm dificuldade em identificar o início dos sintomas.

Entretanto, tópicos em saúde mental costumam ser mais complexos do que a distinção por uma única característica. Há muitas outras questões a respeito do TDAH que precisam de esclarecimento. Por exemplo, como fica o diagnóstico de TDAH em adultos? Se alguém não teve sintomas de TDAH na infância ou na adolescência, pode receber esse diagnóstico? A resposta para esta última pergunta é direta e reta: pela classificação oficial atual, não! 

Porém, é importante partirmos da seguinte premissa: as classificações psiquiátricas não são leis, e precisam ser interpretadas diante da melhor evidência científica atualmente disponível. E essa evidência científica mostra que muitas pessoas que tinham sintomas de TDAH na infância e adolescência não se lembram desses sintomas quando são adultos, tanto porque não têm uma boa memória quanto porque conseguiram “compensar” esses sintomas de alguma maneira. Então, sim, podemos fazer esse diagnóstico mesmo que o paciente não relate sintomas evidentes ao longo do desenvolvimento. E como profissionais de saúde fazem esse diagnóstico? 

Entendendo o diagnóstico do TDAH

Da mesma forma que fazemos em outros transtornos mentais, o diagnóstico se baseia na presença de sinais e sintomas ao longo do tempo, da relação deles com o contexto em torno do paciente e de suas consequências em termos de funcionalidade para tarefas cotidianas e qualidade de vida. Quanto ao TDAH, uma maneira simples é separar os sintomas entre desatenção e hiperatividade. Veja a seguir:

 

1. Desatenção:

  • Erros por falta de atenção, principalmente em projeto chato ou difícil;
  • Dificuldade em manter a atenção em uma tarefa, sobretudo quando é chata ou repetitiva;
  • Dificuldade em se concentrar no que as pessoas dizem, mesmo quando falam diretamente ao paciente;
  • Abandono de projetos pela metade após fazer as partes mais difíceis;
  • Dificuldade em fazer um trabalho que exige organização;
  • Procrastinação de tarefas que exigem muita concentração ou que são afetivamente demandantes;
  • Dificuldade em encontrar objetos após tê-los colocado fora de lugar;
  • Distração com atividades ou barulhos;
  • Dificuldade em lembrar de compromissos ou obrigações.

 

2. Hiperatividade:

  • Tendência a ficar se mexendo na cadeira ou balançando as mãos ou pés quando precisa ficar sentado muito tempo;
  • Necessidade de se levantar da cadeira em reuniões ou em outras situações em que deveria ficar sentado(a);
  • Sensação de inquietude ou agitação interna;
  • Dificuldade em sossegar e relaxar quando tem tempo livre;
  • Sensação de estar excessivamente ativo(a) e necessitando fazer muitas coisas;
  • Tendência a falar excessivamente em situações sociais;
  • Tendência a terminar as frases das pessoas antes delas mesmas;
  • Dificuldade em esperar em situações em que cada um tem a sua vez;
  • Tendência a interromper os outros quando estão ocupados.

 

Ainda, é possível que uma pessoa com TDAH tenha muito mais sintomas de uma das listas do que da outra, mas também é possível que tenha muitos sintomas de ambas as listas. Assim, podemos especificar se o paciente tem um TDAH com apresentação desatenta, hiperativa ou mista. E basta ter muitos sintomas dentre os que falamos para ter TDAH? DEFINITIVAMENTE NÃO! É fundamental que esses sintomas ocorram de maneira persistente ao longo do tempo, que tenham um impacto negativo na vida da pessoa e que ocorram em mais de um ambiente (por exemplo, não somente no ambiente de estudo ou de trabalho).

E isso basta? TAMBÉM NÃO! O que mais falta? Falta o que chamamos de diagnóstico diferencial. Ao ler com atenção a descrição dos sintomas acima, podemos observar que muitos deles são semelhantes a sinais e sintomas de outros transtornos. Assim, é importante diferenciar se determinado sintoma se deve a um TDAH ou a outro transtorno. Vou dar alguns exemplos:

  1. Sintomas de atenção e memória fazem parte dos critérios diagnósticos de depressão;
  2. Sabemos que ansiedade compromete a atenção, já que toma o foco mental das pessoas com preocupações e apreensão;
  3. Transtorno bipolar cursa com distração acentuada e com agitação, principalmente nas fases de (hipo) mania;
  4. Insônia gera dificuldades cognitivas durante o dia;
  5. Uso de substâncias, como álcool, maconha, cocaína e alguns medicamentos também causam prejuízos de atenção e controle comportamental.

E os exames? Usamos exames como sangue e imagem cerebral para esse diagnóstico? Sim, realizamos alguns exames complementares na investigação diagnóstica do TDAH, mas esses exames NÃO mostram o diagnóstico de TDAH. Esperamos que venham normais, ajudando na exclusão de outros problemas de saúde que podem provocar sintomas semelhantes aos do TDAH. 

Entretanto, isso não significa que não haja alterações cerebrais entre aqueles que têm TDAH em relação a pessoas que não têm esse problema de saúde. Eu já publiquei dezenas de artigos científicos na área de neuroimagem dos transtornos mentais e inclusive participei do maior estudo de neuroimagem em pacientes com TDAH já publicado até hoje (Hoogman e cols, 2019). No entanto, infelizmente até o momento toda essa tecnologia não está pronta para ser aplicada diretamente na prática clínica cotidiana.

Em outras palavras, o diagnóstico de TDAH precisa de uma AVALIAÇÃO CLÍNICA DETALHADA para que seja possível diferenciá-lo de outros diagnósticos e, assim, instituir um tratamento seguro e eficaz. 

 

*O conteúdo desta matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.

Referências Bibliográficas

Hoogman, M., Muetzel, R., Guimaraes, J. P., Shumskaya, E., Mennes, M., Zwiers, M. P., Jahanshad, N., Sudre, G., Wolfers, T., Earl, E. A., Soliva Vila, J. C., Vives-Gilabert, Y., Khadka, S., Novotny, S. E., Hartman, C. A., Heslenfeld, D. J., Schweren, L. J. S., Ambrosino, S., Oranje, B., de Zeeuw, P., … Franke, B. (2019). Brain Imaging of the Cortex in ADHD: A Coordinated Analysis of Large-Scale Clinical and Population-Based Samples. The American journal of psychiatry176(7), 531–542. https://doi.org/10.1176/appi.ajp.2019.18091033
Kessler, R. C., Adler, L., Ames, M., Demler, O., Faraone, S., Hiripi, E., Howes, M. J., Jin, R., Secnik, K., Spencer, T., Ustun, T. B., & Walters, E. E. (2005). The World Health Organization Adult ADHD Self-Report Scale (ASRS): a short screening scale for use in the general population. Psychological medicine35(2), 245–256. https://doi.org/10.1017/s0033291704002892