Alessandro Oliveira, tem 39 anos e começou sua carreira trabalhando na Binghampton University (NY) como estagiário no Basketball masculino. Transferiu-se para a Georgia State University como GA (Graduate Assistant) onde fez o seu primeiro mestrado onde também trabalhou com a equipe de futebol masculino. Ao mesmo tempo, foi estagiário na equipe da NBA do Atlanta Hawks. 

Após a graduação no mestrado, ele foi efetivado como full time na equipe do Atlanta Hawks e, posteriormente, trabalhou no Brooklyn Nets (NBA), Carolina Panthers (NFL), P3 Sports Science além de consultor na equipe do Charlotte FC (MLS). Junto disso, começou sua própria empresa, a AO7 Performance. Atualmente, Alessandro trabalha apenas com a AO7 Performance, onde atende clientes da NBA, NFL, futebol internacional e, no mundo do entretenimento, está em turnê com a banda Red Hot Chili Peppers.

Com toda essa bagagem de experiência e ainda tão próximo do Red Hot Chili Peppers, nós da redação da IstoÉ Bem-estar estamos imensamente gratas por termos tido a oportunidade de entrevistá-lo, trazendo para vocês mais sobre a saúde e bem-estar no mundo do entretenimento. Confira a seguir a entrevista completa!

preparacao fisica do red hot chilli peppers ale O segredo da preparação física da renomada banda Red Hot Chili Peppers

Como começou a trabalhar com o Red Hot Chili Peppers (RHCP)?

“Tudo começou meio inesperadamente. Recebi uma ligação no final de dezembro de 2022 com a oferta de trabalho. A princípio eu não queria fazer o projeto, mas como era para ser somente um período curto (inicialmente seriam somente 30 dias) eu aceitei o convite. Porém no meio da viagem, entre Nova Zelândia e Austrália, recebi um convite para terminar a turnê de 2023 com o RHCP, e como já estava entrosado e o projeto estava tendo resultados positivos, eu decidi completar o ano. Com o decorrer do tempo criamos uma relação bem legal não somente com os integrantes da banda como também com o staff, então pretendo continuar com eles nos próximos anos”.

 

Como era a banda antes de iniciar essa jornada de preparação com você?

“Na verdade eu não sei muito como eles faziam, quais eram os projetos e tudo mais. Eu sei que eles tinham um profissional que resolveu partir para outro trabalho, abrindo a posição com o RHCP. Eu não gosto muito de comparações e também de “imitar” ou “mimicar” filosofias ou trabalhos, eu acho que isso pode atrapalhar e muito a implantação da sua própria filosofia e também do que você é capacitado ou não a fazer. Então eu não procurei muito descobrir o que estava sendo feito antes da minha chegada, só procurei fazer o meu melhor para criar uma resposta positiva. No começo até tivemos uma situação interessante, onde um integrante da banda queria que fizéssemos a “bota de proteção do tornozelo” igual ao profissional anterior. Depois de algumas tentativas frustrante, eu comentei com o integrante que ao invés de imitar o que tinha sido feito, eu gostaria de tentar fazer do meu jeito pois seria esse o jeito que eu conseguiria replicar todos os dias (já que foi criação minha), e caso ele não estivesse satisfeito com o resultado eu o ajudaria a achar outro profissional. E foi assim que conseguimos criar um feedback positivo e achar a maneira que iria gerar uma resposta positiva”.

 

Como foi o projeto de criação dos treinos?

“A Filosofia que eu uso com todos os meus clientes é aplicar uma adaptação holística focada para uma performance atlética. Claro, com cada cliente tem que se adaptar e ajustar conforme a demanda que se é aplicada, e a especificação de cada um. Sendo o cliente um atleta profissional ou um cantor/ator, a filosofia e a base/fundação é igual, porém ajustada para causar a melhor adaptação e suportar a demanda aplicada em cada cliente. Isso envolve um trabalho de análises de movimento e biomecânica, fisioterapia, performance e recovery, que eu implanto com a ajuda muito importante de outros profissionais da área de nutrição, psicologia e medicina holística interna”. 

“Com o RHCP o processo foi igual, criamos uma avaliação para atingirmos uma base/fundação entre eles, por meio de análises de movimento, avaliação manual, avaliação de movimento e força (ativo e passivo; manual e com assistência externa) e histórico de lesões. Com isso o intuito inicial é de descobrir o que estaria criando uma alteração na sinergia e criando um embalance, quais áreas do corpo estariam ‘overworking’ ou ‘underworking’, para assim criar ajustes e promover adaptações para corrigir tais alterações, e também criar um processo rápido e eficiente de recovery. Minha filosofia sempre é ‘manage, repair e reset’, então o projeto foca em criar adaptações para preparar o corpo e mente de cada integrante contra o estresse causado pelos shows e tours. Reparar com trabalhos manuais, exercícios ou auxílios de equipamentos e nutrição qualquer área afetada e reset (reiniciar) o corpo humano para uma sinergia positiva por meio de um recovery envolvendo trabalhos manuais, exercícios de recuperação, banhos de água/gelo (plunge), meditação, nutrição, qualidade no sono, tudo para poder balancear a saúde física e mental. Porém também respeitando a demanda do cronograma, viagens, shows, atividades extra e pessoais”.

 

Como é o dia a dia da banda?

“Isso depende muito da fase, de onde estamos ou até do humor de cada um. Porém é muito legal estar em volta, não somente dos 4 integrantes da banda, como também de todos os outros profissionais que os auxiliam. Durante os ensaios o dia a dia muda um pouco, pois somente nos encontramos em horas de trabalho ou ensaio, após isso cada um vai para seu canto. Quando estamos em turnê, e viajando, isso muda bastante já que estamos todos juntos no hotel. A gente se vê no café da manhã, onde literalmente ficamos 1-2 horas ali conversando e rindo. Temos os horários de treinamento/tratamento e outras coisas do dia a dia, talvez uma caminhada ou algo assim. E claro, saímos para jantar ou algo nesse sentido. Eu procuro sempre ficar à disposição, mesmo que a gente tenha um horário meio que já planejado para o dia a dia, pois isso pode ser alterado em um último momento por várias razões. Mas claro, ainda sobra tempo para ver amigos e familiares e aproveitar a vida”.

 

Como é o processo de preparação da banda?

“Eles se preparam muito, levam muito a sério a profissão e procuram entregar um show e uma experiência de altíssimo nível para os fãs. A preparação não é somente em dias de show, mas a semana toda. Eles ensaiam muito antes de sair para a turnê, pois são bem perfeccionistas. Durante a turnê, mesmo em dias que não tem show, estão se preparando para o próximo show, se recuperando e resguardando para poder estar se sentindo bem no dia. Eles focam muito na saúde física e mental, promovem muitas meditações e focam muito na nutrição. Também viajamos com uma excelente pessoa e amiga (Sat Hari) que cuida e atua como uma ‘holistic healer’, focando na imunidade e saúde. Eles tentam focar em todos os detalhes que podem promover uma resposta positiva, para, consequentemente, promover um show de altíssimo nível. Claro que também se divertem, pois a diversão também é uma preparação e ajuda muito, não somente na parte mental, como na física”.

“No dia do show a gente chega horas antes na arena para começar a se preparar e focar, minimizando, assim, qualquer stress que possa danificar esse processo (como trânsito ou até viagens, dependendo de onde é o show e onde estamos hospedados). Cada integrante tem o seu ritual e manias que fazem para a preparação do show, mas sempre focado na performance. O foco vem desde a alimentação (que é providenciada por duas chefes fantásticas que seguem o tour) até a subida ao palco. Durante essa preparação, há uma mistura de meditação e preparação mental e física. O meu foco na preparação fica na área de fisioterapia e performance, e poder promover qualquer detalhe que possa influenciar positivamente a performance de cada integrante. Eu foco em um trabalho manual, ajustes ósseos e musculares, mobilidade, exercícios, ativação neuromuscular e propriocepção. Poder preparar o corpo para poder sustentar o stress causado pelo show e diminuir o risco de qualquer efeito negativo. Consequentemente, após o show já se inicializa o trabalho de recuperação focando no dia seguinte com banho de gelo, mobilidade e flexibilidade”. 

 

Qual a importância de ter um personal junto com as bandas, tanto para a performance no palco quanto para a saúde em geral?

“Eu acho importantíssimo, principalmente para bandas, cantores (as) ou atores e atrizes que exigem muito da parte física. Uma alteração na sinergia corporal pode gerar alterações no corpo, dores, lesões, mal-estar e muito mais. Tudo isso pode não só causar um desconforto como também diminuir a possibilidade desse profissional promover o seu melhor. Seja você um cantor ou ator, com certeza tem um calendário bem restrito com muitas demandas, às vezes com vários shows em uma semana ou mês, ou com várias filmagens repetitivas dia após dia. Com toda essa demanda é bem difícil conseguir estar bem todos os dias, e qualquer desconforto, problemas ou lesões podem afetar negativamente a performance (seja de canto, dança ou atuando)”. 

“Aí entra a importância de ter alguém para focar nessa área. Promovendo um projeto que seja único para a demanda de cada um, focando em trazer ajustes e adaptações em um modo holístico, pode-se, e muito, ajudar, não somente na performance, como também no bem estar e saúde. Uma adaptação positiva melhora a movimentação do corpo humano, a mobilidade corporal, aumenta a capacidade cardiorrespiratória, neuromuscular e capacidade imunológica. Consequentemente isso também aumenta o nível de recuperação (recovery), e nível atingido durante o sono. Todas essas alterações vão aumentar a eficiência do sistema simpático e parassimpático, causando uma resposta e promovendo uma adaptação positiva no corpo. Se for possível a cada dia aumentar todas essas capacidades em 1%, focando na parte física, mental e espiritual, com certeza isso irá aumentar a performance em um nível imediato (agudo) ou ao decorrer do tempo (crônica). Porém o mais importante é se associar com profissionais que buscam esse trabalho holístico, onde um auxilia o outro, focando no produto, que é o cliente. Cada área é fundamental para o desenvolvimento da outra, e em contrapartida, cada área serve de uma base e fundação para suportar uma a outra. Temos que sempre focar em uma saúde física, mental e espiritual”.

 

Sobre outros artistas, poderia nos contar com quem já trabalhou e como foram os treinos?

“Posso comentar alguns aqui que foram bem legais. A anos atrás trabalhei em uma intensidade menor com o cantor Usher, que estava em preparação para uma turnê. O quanto ele exige do corpo diariamente é impressionante, e tem que ter uma preparação bem intensa. Eu o ajudava a aumentar a mobilidade e flexibilidade, assim como prevenção e proteção de uma lesão que ele tinha. O legal também desse trabalho foi poder ajudar os coreógrafos dele, que são dançarinos fantásticos e que exigem muito do corpo. Para ‘entregar’ a coreografia pronta ao Usher, eles ensaiavam horas antes do cantor chegar, então ajudar a manter uma sinergia foi bem bacana. Algo parecido também aconteceu quando ajudei o baterista do cantor Hozier. Tínhamos só três dias para tratar um problema no pescoço e ombro dele, então foram 3 dias intensos. Depois do show, a gente ficou conversando bastante no backstage, e o Hozier passou e agradeceu o trabalho afirmando que estava preocupado com o baterista, porém ele sabia o quanto o baterista era importante para o show”. 

“Um projeto bem legal também foi trabalhar com o atleta/ator Dave Bautista na filmagem do filme ‘Stuber’. Ele tinha uma lesão que estava perturbando-o durante os treinos e filmagens, e o foco principal ali era prepará-lo para as filmagens. Porém ele treina muito durante o dia, então tinha essa parte também que estava acumulada. Então durante os treinos e as gravações, havia um trabalho intenso manual, como também um grande trabalho de movimento e mobilidade. E claro, assim que possível, iniciamos um trabalho de recuperação, focando no próximo dia. Lá também rolou algo legal durante os intervalos de uma filmagem. Eu estava esperando o Dave chegar e, conversando com o seu dublê, ele comentou de algumas dores que tinha e eu comecei a avaliá-lo. Comecei a tratar dele, e no meio do tratamento, o Dave chegou. Seu dublê ficou preocupado, achando que ele ficaria bravo (pois estava utilizando seu fisio), porém o contrário aconteceu. Dave agradeceu por estar cuidando de seu dublê, pois ele sabia o quanto era importante não só para o bem-estar do dublê, assim como para as filmagens. De lá em diante, a gente fez um projeto para o Dave e outro para o dublê, atendendo ambos diariamente”. 

“Eu acho bem legais situações assim, quando o ‘talento’ principal também se preocupa com todos ao seu redor. Eles reconhecem a importância daqueles que trabalham junto, e também se preocupam com a saúde e o bem estar de cada um. Isso acontece diariamente no RHCP onde sempre se preocupam um com o outro, e tive a sorte de ver isso se repetindo em várias outras oportunidades”.

 

Quais as principais diferenças de preparação entre esses artistas e o RHCP?

“É bem difícil comparar um com o outro, e às vezes também injusto. Talvez a intensidade com que eu trabalho hoje em dia com o RHCP, e a continuidade, faz com que a filosofia possa ser aplicada de uma maneira mais intensa, maximizando as chances de uma adaptação positiva e um resultado maior. Porém todos os clientes que eu trabalhei são bem focados no processo e querem melhorar. Essa parte é essencial para qualquer sucesso, você precisa que o cliente realmente te dê a chance de fazer o seu melhor, mas eles também tem que ajudar e fazer o que é combinado, se não, não consegue maximizar nenhum resultado”.

 

Pode indicar algum treino ou preparação que você ensina para a banda e para os artistas, para o pessoal de casa?

“Claro, a primeira coisa que eu aconselharia é começar a se mexer, movimentar. O dia a dia às vezes tira o nosso tempo, ou promove alguns obstáculos que nos fazem perder o foco do treino, do tratamento, consequentemente, afetando nossa saúde física e mental. Principalmente quando nos lesionamos, a primeira coisa que ‘nos indicam’ ou que a gente faz é ‘parar’, ‘ficar de molho’. Eu já acho ao contrário. O movimento, o treino, o stress causado no corpo por atividades físicas, são importantíssimos em todos os casos. Então não importa a intensidade que comece a treinar, o importante é começar e cuidar da saúde física e mental. Tem várias maneiras de se treinar, de tratar e prevenir lesões, e muitas maneiras de fazer um cronograma dessas atividades. Eu acredito que em 7 dias de treinos/tratamento você deve incluir 1 dia de treino focado no recovery e 1 dia de treino focado em folga. Sim, a folga na minha opinião também é uma forma de treinamento ou tratamento, o corpo e a mente precisam de uma folga para reabastecer e normalizar. Nesse dia de folga procure fazer algo que te dê prazer como caminhadas, atividades com filhos etc. Isso ajudará muito contra qualquer burnout e overtraining, e vai te preparar muito mais para um treino ainda mais forte nos dias seguintes. Na minha opinião, o dia de treino forte é tão importante como o dia de folga, sempre mantendo um equilíbrio e balanço sem exageros, claro. Essa é a filosofia que eu levo para todos os meus clientes, sejam atletas profissionais ou no mundo do entretenimento. Tem dias que são treinos e tratamentos intensos, mas também tem dia que o treino e se recuperar, sempre focando em uma adaptação positiva no corpo, mente e alma”. 

“Uma das coisas mais difíceis em treinamentos é conseguir criar uma rotina e manter uma consistência no treinamento. O nosso corpo e mente precisam de semanas de treinos seguidos para se criar uma rotina. Então, mesmo nos dias que esteja com preguiça ou sem tempo ou energia para treinar, vá mesmo assim, nem que seja por um tempo menor ou uma intensidade mais baixa. Sua mente e corpo vão registrar isso como um treino, e não como uma abstinência, consequentemente, adicionando-a para a criação da sua rotina. Muitas vezes a primeira intenção de alguém é começar a treinar e mudar a aparência física. Eu acho essa intenção mais uma consequência, e não deveria ser a meta principal de nenhum treino. A gente deveria treinar primeiramente para melhorar a nossa saúde física e mental, para prevenir e reabilitar lesões. E assim, consequentemente, e com consistência, balanço e um projeto holístico, melhoramos nossa aparência física e performance”.

 

*O conteúdo dessa matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.