A personalidade é um aspecto fundamental da nossa existência e tem um papel significativo na forma como lidamos com as emoções, os desafios da vida e até mesmo a nossa saúde física. Nesta coluna, vou explorar como a parte da nossa personalidade relacionada a emoções negativas (como ansiedade, medo, culpa, raiva e tristeza), a que chamamos de NEUROTICISMO (um dos cinco fatores da personalidade), está intimamente ligada ao estresse, autoestima e saúde mental.

Antes disso, uma breve digressão sobre a relação entre personalidade e transtornos mentais, até porque eu preciso que você saiba por que eu, um psiquiatra, resolvi falar tanto sobre o tema aqui na minha coluna da Isto É!

Para compreender a relação entre neuroticismo e emoções negativas, é essencial primeiro definir o que entendemos por personalidade. A personalidade é a soma das tendências pessoais quanto a emoções, pensamentos e comportamentos que persistem ao longo do tempo e geram as maneiras como enfrentamos desafios, nos relacionamos com os outros e conosco. 

É importante destacar que a personalidade está intrinsecamente ligada ao surgimento, gravidade e duração de transtornos mentais. A antiga abordagem da psiquiatria, que trata os transtornos mentais como caixinhas separadas, isoladas umas das outras, não reflete a realidade. Hoje, sabemos que é mais adequado considerar dimensões na análise da personalidade e dos transtornos mentais.

 

Dimensões e Personalidade: O Papel do Neuroticismo

As dimensões representam variações entre os extremos de traços de personalidade ou sintomas mentais. Em vez de apontar alguém como tendo ou não tendo depressão, é mais útil descrever uma tendência maior de experimentar quedas de humor persistentes em resposta a situações estressantes. Uma das dimensões mais cruciais para isso é o neuroticismo.

Neuroticismo é um domínio de personalidade que faz parte do Modelo dos Cinco Fatores, uma estrutura amplamente aceita para descrever a personalidade. É útil pensar no neuroticismo como a reatividade ao estresse, ou seja, a propensão a experimentar fortes ondas de emoções negativas em resposta a gatilhos externos e internos.

 

Ansiedade, Medo, Culpa, Raiva e Tristeza: As Emoções Relacionadas ao Neuroticismo

Ansiedade, medo, culpa, raiva, vergonha e tristeza são os estados emocionais mais fortemente relacionados ao neuroticismo. Além disso, o neuroticismo está ligado à percepção de que o mundo é perigoso e ameaçador, à crença de que os desafios são insuperáveis e à dificuldade em lidar com a falta de controle e com as incertezas sobre o futuro.

É importante ressaltar que o neuroticismo está fortemente associado ao desenvolvimento e à persistência de transtornos mentais, como depressão e transtornos ansiosos. Também está relacionado a uma menor qualidade de vida, baixa autoestima, hábitos alimentares ruins e problemas de saúde física, como a síndrome metabólica e o risco aumentado de problemas cardíacos.

 

Mecanismo de Adoecimento: como o neuroticismo confere risco para uma pior saúde mental

Ok, neuroticismo tem a ver com saúde mental. Mas como isso acontece? Isto é, como a ansiedade se torna intensa, duradoura, desproporcional e debilitante, por exemplo?

Felizmente, temos uma resposta para essa pergunta: a forma como uma pessoa lida com suas próprias emoções negativas desempenha um papel crucial na sua perpetuação e piora ao longo do tempo! 

Muito importante: essa é uma mensagem de esperança, porque isso significa que temos a capacidade de construir uma relação saudável com nossas emoções!

É essencial aprender habilidades de processamento emocional para gerenciar o estresse, a partir do que as emoções negativas surgem, de maneira eficaz. Com frequência, as pessoas buscam tratamento para se livrar de emoções desconfortáveis, como ansiedade, medo, raiva, tristeza ou culpa. No entanto, tentar afastar essas emoções não funciona bem, pois é justamente incompatível com a natureza das emoções. 

Isso nos traz a uma reflexão importante: então quer dizer que todas essas emoções fazem parte da vida e precisaremos conviver com elas? Exato, isso mesmo. E essa necessidade é ainda mais importante para pessoas que constitucionalmente têm maior intensidade dessas emoções. 

Mas veja bem! Isso não quer dizer que os sintomas dos transtornos mentais não devem melhorar, mas o oposto disso: precisamos aprender a processar as emoções de maneira saudável JUSTAMENTE para que os sintomas de depressão e de transtornos de ansiedade (e, é importante que se diga, dos transtornos mentais globalmente) melhorem! Isso nos leva a outra pergunta: afinal, para que servem as nossas emoções?

 

Por que temos emoções?

Ao invés de tentar afastar as emoções, é fundamental compreender por que as emoções são essenciais para nossa vida. Elas desempenham um papel crucial ao fornecer informações sobre nossa situação e motivar ações que nos mantenham seguros, além  de nos ajudar a alcançar nossos objetivos.

Considere o medo, por exemplo. Ele nos alerta sobre perigos iminentes, enquanto a ansiedade nos avisa sobre ameaças relativamente distantes, e a raiva nos capacita a enfrentar injustiças ou obstáculos. Até a tristeza, embora possa ser desconfortável, nos permite refletir sobre perdas e momentos importantes. 

Note que cada uma dessas emoções surge diante de algum desafio ou ameaça. Isto é, surgem diante de algum estresse, de alguma coisa que não está acontecendo conforme esperávamos e que potencialmente nos distancia de alcançar algum objetivo pessoal.

É importante entender que não controlamos nossas emoções, assim como não controlamos se chove ou se faz Sol. Elas fazem parte de nossa natureza e são reguladas por circuitos cerebrais específicos. O que podemos fazer é aprender a lidar com essas emoções, ouvindo-as, refletindo sobre elas e, em seguida, agindo de acordo com os nossos objetivos. 

 

A Importância do Processamento Emocional Saudável

Em geral, as pessoas costumam recorrer a estratégias mal adaptadas para reduzir a intensidade e a duração das emoções negativas. Como mencionei, essas estratégias tendem a ser contraproducentes e perpetuam os transtornos mentais.

A chave para lidar com emoções intensas e sofridas está no processamento saudável dessas emoções. Isso começa com a compreensão do propósito dessas emoções em nossa vida, seguido pelo que desencadeia cada emoção negativa em nós. Cada emoção negativa tem um papel específico e fornece informações valiosas sobre nossa situação e o que é difícil de tolerar para cada um de nós.

 

Para Refletir

Em resumo, o neuroticismo, uma dimensão da personalidade, desempenha um papel significativo na maneira como sentimos e reagimos às emoções negativas que emergem diante do estresse. Compreender a relação entre neuroticismo e emoções negativas é essencial para nossa saúde mental e física.

A boa notícia é que podemos aprender a processar nossas emoções de maneira saudável. Não podemos eliminar ou substituir essas emoções, mas podemos desenvolver habilidades de processamento emocional que nos permitam lidar eficazmente com o estresse e as emoções negativas. Isso não só contribui para uma melhor saúde mental, mas também para uma vida mais equilibrada e satisfatória.

 

Te vejo semana que vem!

Na coluna da semana vem vou te explicar como perceber se a sua reatividade às emoções negativas é saudável ou não! Afinal, entender nossas emoções e aprender a conviver com elas é um passo fundamental para uma vida mais saudável e feliz!

 

*O conteúdo desta matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.