Como já era de se esperar, a pandemia afetou a saúde mental e o bem-estar da população de várias maneiras, inclusive por meio de isolamento e solidão, perda de emprego e instabilidade financeira, além de doenças e luto —e, segundo especialistas, isso persistirá por alguns anos.

De acordo com publicação da OMS¹, em 2022, a pandemia de COVID-19 desencadeou um aumento de 25% na prevalência de ansiedade e depressão em todo o mundo. Entretanto, mesmo decretado o fim da pandemia (no dia 05 de maio de 2023), muitas pessoas continuam lutando com a piora da saúde mental e do bem-estar.

Uma análise² cruzou dados recentes disponíveis do Household Pulse Survey e o banco de dados CDC sobre aspectos relacionados à saúde mental. Os principais tópicos abordados foram:

  • Os sintomas de ansiedade e depressão aumentaram durante a pandemia e foram mais pronunciados entre indivíduos que perderam o emprego, adultos jovens e mulheres. As adolescentes também experimentaram sentimentos aumentados de desesperança e tristeza em comparação com seus pares do sexo masculino.

  • As mortes por overdose de drogas aumentaram acentuadamente na população total, coincidindo com a pandemia –e mais do que dobraram entre os adolescentes.

  • As taxas de mortalidade induzida pelo álcool aumentaram substancialmente durante a pandemia.

  • Após uma breve queda, as mortes por suicídio aumentaram novamente a partir de 2021. A automutilação e a ideação suicida aumentaram mais rapidamente entre as adolescentes do sexo feminino em comparação aos do sexo masculino.

Todos esses dados dizem respeito à saúde mental e a pandemia foi associada a uma alta prevalência de sintomas de ansiedade e depressão em adultos que persistem até hoje.

Sabendo desses dados, temos que cuidar cada dia mais da nossa saúde mental, que a Organização Mundial da Saúde (OMS)³ define como um estado de bem-estar no qual o indivíduo é capaz de usar suas próprias habilidades, recuperar-se do estresse rotineiro e ser produtivo.

O estopim do estresse e como ele influencia no seu peso

A importância da saúde mental foi um destaque nesses últimos anos, bem como o cuidado com a saúde e, principalmente, com a composição corporal; já que os órgãos competentes, como CDC⁴, deram alertas sobre a gravidade e mortalidade de COVID-19 associadas à obesidade e patologias associadas –além do aumento da população com excesso de peso nesse período. Por que falo isso? Porque o estresse, a ansiedade e todas essas alterações relativas à saúde mental desencadeiam o aumento da composição corporal —e isso acaba virando uma bola de neve.

Quando ficamos nervosos ou ansiosos a cabeça dói, os pensamentos aceleram, o coração parece que vai sair pela boca e os músculos ficam mais tensos; afetando a saúde física, mental e emocional. Na maioria das vezes, os sintomas aparecem bem no momento daquela irritação ou agitação, mas quando não gerenciado e em longo prazo, pode levar ao acúmulo de gordura corporal.

Quando ficamos estressados, aumentamos os níveis de hormônios do estresse como o cortisol, que, junto com a adrenalina, prepara o corpo para reações de “luta ou fuga”. Além do cortisol, outros hormônios podem protagonizar esse processo e, acreditem vocês, tem uma relação direta com aquela busca impulsiva e inconsciente por um docinho ou alimentos supercalóricos. Veja a ação de cada um deles:

Cortisol. Quando ficamos estressados com frequência e por muito tempo, chamado de estresse crônico, há um excesso da liberação de cortisol. Esse hormônio é responsável, dentre tantas funções, por gerenciar o armazenamento de gordura no nosso corpo e o uso de energia; além de aumentar o apetite e estimular o desejo por alimentos açucarados, gordurosos e calóricos. Imagine você com uma superprodução de cortisol por conta de um estresse excessivo? Mais estresse, mais prejuízo a saúde mental e mais gordura corporal.5

Serotonina. Existe uma relação direta do estresse com a procura pelos chamados “comfort foods”, ou seja, alimentos que geram conforto. Buscamos esses alimentos, principalmente carboidratos simples, por aumentar o nível de serotonina no nosso corpo —que é responsável pelo sentimento de alegria, felicidade e plenitude. Entretanto, pessoas sob estresse não são capazes de fazer escolhas de forma inteligente e consciente; podendo consumir esses alimentos de forma desenfreada, com objetivo de conquistar a sensação momentânea de prazer.6

Neuropeptídeo Y. Estudos sugerem que nosso corpo pode processar alimentos de maneira diferente quando estamos sob estresse. Um estudo descobriu que ratos de laboratório alimentados com uma dieta rica em gordura e açúcar ganharam quantidades significativas de gordura corporal quando colocados em condições estressantes. Os ratos alimentados com uma dieta normal, no entanto, não ganharam muito peso, apesar do estresse. Os pesquisadores associaram esse fenômeno a uma molécula chamada neuropeptídeo Y, que é liberada das células nervosas durante o estresse e estimula o acúmulo de gordura. Uma dieta rica em gordura e açúcar parece promover ainda mais a liberação do neuropeptídeo Y.7

Mas então, se o exercício libera hormônios do estresse, não devo fazer? 

O cortisol, quando liberado em quantidades normais, é superimportante para o organismo. Produzido pela glândulas suprarenais, o cortisol é liberado para controlar a glicemia (níveis de açúcar no sangue), regular o metabolismo, além de atuar como anti-inflamatório, entre outras funções. Nossos níveis de cortisol variam ao longo do dia, mas geralmente aumentam de manhã, quando acordamos, caindo gradualmente ao longo do dia –isso é conhecido como ritmo diurno. Um bom sono é crucial na regulação do cortisol, pois seu ritmo diurno atinge o ponto mais baixo por volta da meia-noite, enquanto você dorme. Lembrando que níveis consistentemente altos de cortisol no corpo podem levar a problemas de saúde, incluindo ansiedade, depressão, problemas digestórios, problemas de sono e ganho de peso —sendo que a exposição crônica ao cortisol pode até estar associada à obesidade ao longo do tempo.

Quando falamos em treinamento, em um cardio (corrida ou ciclismo, por exemplo) prolongado, o cortisol é liberado para preservar as reservas de energia do seu corpo. Em vez disso, seu corpo usa ácidos graxos e aminoácidos como combustível, dificultando a entrada de glicose nos músculos, o que leva ao catabolismo, que é a degradação muscular.

De acordo com um estudo da Frontiers in Neuroendocrinology 8, o cortisol produzido durante o treino —cortisol glicocorticoide — não é o mesmo que o cortisol liberado pelo estresse crônico. O cortisol do exercício estimula a liberação de dopamina, que faz você se sentir bem (reduzindo o estresse), algo que não ocorre com o cortisol induzido pelo estresse do dia a dia. O exercício também faz com que o cérebro produza endorfinas, substâncias químicas que agem como analgésicos naturais. As endorfinas melhoram sua função cerebral geral e ajudam a reduzir o estresse também. É por isso que, mesmo liberando cortisol, a atividade física relaxa e traz uma sensação de bem-estar.

Trago para vocês algumas dicas para colocarem em prática no seu dia a dia: 

Evite o trabalho excessivo e chegar ao esgotamento. Trabalhe o autocontrole, que é o que nos leva a fazer coisas que podemos não querer inicialmente, mas que contribuem para o nosso bem-estar no longo prazo. Você pode incluir nesse processo atividades como exercícios, nutrição balanceada e autocuidado, que podem ajudar as pessoas a ter uma vida mais saudável. 

Reconheça os pensamentos estressantes. Pensamentos estressantes geram um sinal importante para que ocorra a liberação de cortisol. Um estudo mostrou que escrever sobre experiências estressantes passadas aumentou o cortisol ao longo de um mês em comparação com escrever sobre experiências positivas de vida ou planos para o dia. Esse estudo vem muito ao encontro da expressão que “depressão é excesso de passado, ansiedade é excesso de futuro e o presente, que é o que ficamos só de corpo presente, é a felicidade”. Por isso, a redução do estresse com base na atenção plena é uma estratégia que envolve tornar-se mais consciente dos pensamentos que provocam o estresse e substituir a preocupação ou a ansiedade pelo foco em reconhecer e compreender pensamentos e emoções estressantes. O treinamento para ter consciência de seus pensamentos, respiração, batimentos cardíacos e outros sinais de tensão ajuda a reconhecer o estresse quando ele começa. Ao concentrar-se na consciência de seu estado mental e físico, você pode se tornar um observador objetivo de seus pensamentos estressantes, em vez de uma vítima deles.

Pense no que você está comendo. Quando as pessoas estão realmente estressadas, elas pensam que prestar atenção à dieta causará mais estresse. Na verdade, é exatamente o oposto. Não se esqueça de que a comida é o combustível do seu corpo e do seu cérebro. Quando você se alimenta de maneira adequada, está alimentando o corpo para combater o estresse.

Concentre-se no sono. A falta de sono aumenta o estresse e a ansiedade relacionados ao trabalho. Inicialmente, o estresse pode suprimir o apetite, mas quando é prolongado, pode levar ao conforto alimentar ou ao consumo excessivo de alimentos e álcool. Quando você dorme pouco ou tem o sono interrompido, pode comer mais no dia seguinte. Estudos apontam que dormir apenas quatro horas por seis dias pode levar seu corpo a um estado pré-diabético.

*O conteúdo dessa matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.

Referências Bibliográficas

¹WHO. COVID-19 pandemic triggers 25% increase in prevalence of anxiety and depression worldwide. Disponível em: https://www.who.int/news/item/02-03-2022-covid-19-pandemic-triggers-25-increase-in-prevalence-of-anxiety-and-depression-worldwide
²KFF. The Implications of COVID-19 for Mental Health and Substance Use. Disponível em: https://www.kff.org/coronavirus-covid-19/issue-brief/the-implications-of-covid-19-for-mental-health-and-substance-use/
³WHO. Mental health. Disponível em: https://www.who.int/health-topics/mental-health#tab=tab_1
⁴CDC. Obesity, Race/Ethnicity, and COVID-19. Disponível em: https://www.cdc.gov/obesity/data/obesity-and-covid-19.html
5Vicennati V, Pasqui F, Cavazza C, Pagotto U, Pasquali R. Stress-related development of obesity and cortisol in women. Obesity (Silver Spring). 2009 Sep;17(9):1678-83. doi: 10.1038/oby.2009.76. Epub 2009 Mar 19. PubMed PMID: 19300426.
6Salazar-Fernández, C.; Palet, D.; Haeger, P.A.; Román Mella, F. The Perceived Impact of COVID-19 on Comfort Food Consumption over Time: The Mediational Role of Emotional Distress. Nutrients 2021, 13, 1910. https://doi.org/10.3390/nu13061910
7Yinqiong H, Xiahong L, Shu L. Neuropeptide Y and Metabolism Syndrome: An Update on Perspectives of Clinical Therapeutic Intervention Strategies. Frontiers in Cell and Developmental Biology. 2021.
8Chen, C.; et al. The exercise-glucocorticoid paradox: How exercise is beneficial to cognition, mood, and the brain while increasing glucocorticoid levels. Frontiers in Neuroendocrinology. Volume 44, January 2017, Pages 83-102.