O uso crônico de bebidas alcoólicas (etanol ou álcool) tem grande potencial para provocar lesões nos diversos sistemas do organismo, como redução das funções do sistema de defesa do nosso corpo (sistema imunológico), problemas no sistema gastrointestinal (câncer, gastrite, úlcera, hepatite e cirrose), problemas no sistema cardiovascular (miocardiopatias e hipertensão arterial sistêmica) e problemas no sistema endócrino (distúrbios no metabolismo de carboidratos e lipídeos).
Mas há alguma interferência do consumo de álcool nos seus resultados do exercício físico?
Se utilizado antes ou durante a realização do exercício, o álcool, devido a sua ação inibitória do sistema nervoso central, promove uma diminuição das atividades neuronais, afetando principalmente a coordenação motora, o tempo de reação, a agilidade e o processos de decisão. Isso tudo vai provocar uma redução no desempenho físico.
Por afetar o metabolismo dos carboidratos e lipídeos, o álcool poderá levar a uma fadiga precoce no treino, pois há uma diminuição da quantidade de energia disponível para a manutenção da intensidade e/ou duração da atividade.
No período de recuperação pós-exercício, o álcool pode afetar os estoques de glicogênio, reduzindo a performance do praticante no treino seguinte.
Além disso, o álcool promove a diminuição ou até mesmo inibição da fase REM (rapid eyes moviment) do sono, na qual ocorrem os sonhos. A ausência desse estágio do sono pode levar a uma inadequada recuperação e descanso do organismo, pois o sono REM está muito associado com a consolidação de memória, melhora da parte cognitiva e física do organismo.
O consumo de álcool interfere na hipertrofia
Inicialmente precisamos compreender o que ocorre de uma forma geral após um treino de musculação. O período inicial pós-treino (1 a 8 horas) é tido como crítico no sentido de reverter os “distúrbios” ou alterações da homeostase treino-induzidas no sentido de promover adaptação ao treinamento físico. Diversos estudos têm sido realizados na tentativa de otimizar estratégias nutricionais nos momentos pós-treino, em busca da melhor resposta hipertrófica.
Pesquisadores demonstram que existe uma elevação na taxa de síntese proteica —necessária para hipertrofia — de forma distinta entre iniciantes e treinados após uma sessão de musculação. Os autores caracterizam a elevação da síntese proteica pós-treino como “momento anabólico” que necessita da oferta adequada de nutrientes para otimizar e aproveitar da melhor maneira possível este “momento” que, de acordo com os autores, atinge pico de 4 horas pós-treino para indivíduos treinados e pico duplo pós-treino (de 4 e 16 horas) para indivíduos destreinados.
Um estudo realizado por Parr e colaboradores, nos explica bastante a questão da ingesta de bebida alcoólica e sua relação com a hipertrofia muscular. Os resultados demonstraram que tanto a sinalização da proteína considerada chave na sinalização intracelular envolvendo síntese proteica (mTOR) quanto a taxa de síntese proteica miofibrilar, que quando aumentada contribui cronicamente para desenvolvimento da hipertrofia, foram prejudicadas durante a fase inicial de recuperação –até oito horas — nas situações que houve ingesta de bebida alcoólica.
Estes resultados foram mais evidentes com uma redução de 37% na taxa de síntese proteica miofibrilar quando o álcool foi consumido na ausência da ingesta de proteínas pós-exercício. Mesmo quando a proteína foi ingerida pós-exercício, o álcool provocou uma redução de 27% na síntese proteica miofibrilar, prejudicando a resposta anabólica muscular.
As estratégias suplementares do estudo para o “momento anabólico” (até 8 horas pós-treino) foram as seguintes:
- Grupo proteína. 25 gramas de whey protein isolado imediatamente e quatro horas após o treino + suco de laranja de 30 em 30 minutos.
- Grupo proteína + álcool. 25 gramas de whey protein isolado imediatamente e quatro horas após o treino + 60 ml de vodca com suco de laranja de 30 em 30 minutos, por 6 vezes.
- Grupo carboidrato + álcool. 25 gramas de maltodextrina + 60 ml de vodca com suco de laranja de 30 em 30 minutos, por 6 vezes.
Os resultados do estudo demonstraram que tanto a sinalização de mTOR (proteína considerada chave na sinalização intracelular envolvendo síntese protéica) quanto a taxa de síntese proteica miofibrilar (quando aumentada contribui cronicamente para desenvolvimento da hipertrofia) foram prejudicadas durante a fase inicial de recuperação (até 8 horas) nas situações que houve ingesta de bebida alcoólica.
Mesmo que o estudo tenha analisado um período de oito horas após o exercício, é importante ressaltar que o processo de recuperação muscular pode perdurar até 24 a 48 horas depois do treino. Assim, o álcool prejudica a resposta anabólica muscular (diminuindo síntese protéica miofibrilar), dificultando estratégias adicionais para aqueles que optariam por treinar de manhã e beber somente a noite (após 8 horas).
O consumo de álcool pode prejudicar o metabolismo e a capacidade de redução de gordura corporal
O álcool reduz o metabolismo e diminui nossa capacidade de queimar gordura. O corpo “entende” o álcool como uma toxina e não como um nutriente, por isso é incapaz de armazenar as calorias do álcool da mesma forma que as calorias dos alimentos. Dessa forma, o metabolismo “migra” da queima de calorias dos alimentos armazenados para a remoção de resíduos tóxicos. Os produtos químicos tóxicos primários produzidos pelo álcool são chamados de acetaldeído e acetato.
Você pode notar um desejo quase imediato de ir ao banheiro depois de poucos drinques. Isso significa que seu corpo está temporariamente utilizando os subprodutos indesejados como combustível para se livrar das toxinas, retardando o processo metabólico natural do tecido adiposo ou das reservas de gordura sendo queimadas.
O consumo de álcool desregula o sistema endócrino
Embora beber moderadamente provavelmente não altere drasticamente os níveis hormonais de um indivíduo, o álcool é um desregulador do sistema endócrino. Essa desregulação, por sua vez, pode afetar os sinais de comunicação do corpo entre o sistema nervoso e sistema imunológico. Pode não parecer grande coisa, mas essas interrupções podem ser difíceis de reequilibrar.
Temos que considerar o fato de que a disrupção endócrina pode realmente elevar os níveis de estresse e as irregularidades hormonais. Dessa forma, o equilíbrio (ou desequilíbrio) hormonal faz uma enorme diferença na saúde de um indivíduo –estresse e álcool, ou simplesmente álcool em excesso, é algo que devemos evitar.
O consumo de álcool prejudica nosso sono
O álcool é um depressor e pode, inicialmente, nos ajudar a dormir, mas manter o sono é o problema. O sono é importante para a recuperação muscular e reparação dos tecidos.
Assim, a ingestão de álcool pode interromper o sono restaurador ou REM do corpo e, sem o sono REM, você pode sentir sonolência diurna, fadiga e falta de concentração.
Estudos indicam que tomar um ou dois drinques —ou um consumo moderado de álcool — não parece prejudicar os padrões de sono. O sono prejudicado pode ocorrer com o consumo excessivo de álcool e também é aconselhável não utilizar álcool como auxílio para dormir para evitar o risco de dependência de álcool.
O álcool carece de valor nutricional
O álcool carece de valor nutricional para o corpo, ao mesmo tempo em que contribui com características que podem, na verdade, sabotar os esforços nutricionais. O consumo de álcool prejudica a absorção de nutrientes ao diminuir as enzimas digestivas e também pode danificar as células localizadas no trato digestório, afetando a absorção de nutrientes. Sem essa função normal, até mesmo alimentos saudáveis são potencialmente incapazes de serem utilizados para beneficiar o corpo.
Estudos mostram que beber em excesso pode impedir que o corpo absorva proteínas e outros nutrientes adequados —e necessitamos desses nutrientes para obter resultados ideais de condicionamento físico e para construir e manter a massa muscular.
Com base em como o álcool afeta o crescimento muscular, redução de gordura, hormônios, sono e nutrição, fica claro que a substância não contribui positivamente para os níveis gerais de saúde e condicionamento físico. Isso varia em gravidade com base na frequência e na quantidade de consumo de álcool. Por isso, se for beber, beba com moderação.
*O conteúdo dessa matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.
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