A medicina Ayurveda tem origem ancestral (5.000 a.C), e é conhecida como a ciência da vida, pautada no conhecimento transmitido dos deuses para os mortais. De uma maneira breve, inspira-se no conceito de que os elementos da natureza ou entidades biológicas (ar, éter, fogo, água e terra) se mesclam em nosso corpo, formando os nossos biotipos ou doshas,  conhecidos como Vata, Pitta ou Kapha –sendo que todos nós temos os três doshas porém, com alguma predominância de um deles. Para os vedas, a nossa saúde resulta do equilíbrio entre estas “forças” ou biotipos.  Logo, quando uma pessoa está doente, possui um desequilíbrio corporal associado a algum dosha e que necessita ser tratado.

Segundo a medicina védica, para uma melhor assistência em saúde, é importante que o profissional identifique o Prakriti ou constituição humana de seu paciente; para isso é importante reconhecer as suas características físicas (Sharira Prakriti) e mentais (Manas Prakriti), para posteriormente determinar o tratamento mais adequado. Veja alguns exemplos de possíveis prakritis para ir se adaptando com a ideia: Kapha-Pitta, Pitta-Vata, Vata-Kapha. 

A seguir te mostro uma figura que pode auxiliar na identificação do seu biotipo físico:


Uma derivação importante dos ensinamentos védicos é a nutrição Ayurveda, que também baseia a sua conduta a partir dos prakritis, com uma atenção especial para avaliação da língua e seus aspectos como cor, forma, textura e presença de saburra (uma secreção branca que pode ficar sobre a língua), já que é possível saber muito acerca de nossa saúde digestiva e intestinal, observando a língua.

Esse tipo de nutrição explora a percepção de seis sabores, assunto que segundo a terapeuta e especialista em Medicina Ayurveda Karin Broschek*, é descrito como um aspecto cognitivo de Bodhaka Kapha (um dos três doshas, que em sua forma mais específica, se aloja na língua, órgão dos sentidos em particular, do gosto). Assim, a língua se divide em zonas específicas a nível gustativo, que nos permitem perceber os seis sabores descritos pela literatura védica: doce; ácido; salgado; amargo; picante e adstringente, sendo que cada um deles exerce uma ação em nível de tecidos, e outra em nível mental. 

Muitas das terapias medicinais ayurvédicas são explicadas a partir da ação dos seis sabores no corpo, sendo que cada um destes sabores é relacionado pela ação de dois elementos da natureza:

  • Doce = água + terra;
  • Ácido = fogo + terra;
  • Salgado = água + fogo;
  • Amargo = ar + éter;
  • Picante = fogo + ar;
  • Adstringente = terra + ar.

O sabor, ou rasa, é a ação direta de uma substância, percebida pelas terminações nervosas da boca e sofre influência durante as estações do ano, já que a cada uma das quatro estações, os elementos éter, ar, fogo, água e terra se combinam de maneira distinta, proporcionando um resultado de paladar também diferenciado. Ayurveda postula que o sabor basal de cada substância é o doce, que por sua vez corresponde à presença de água em sua composição, e que graças à sua correspondência com Bodhaka Kapha, é percebido em todo alimento.

Você já imaginou que a língua, bem como os sabores, tivessem uma abordagem tão interessante e diferente ao que estamos acostumados a escutar?  Saiba, portanto, que ao procurar uma terapeuta ayurveda, você passará por uma avaliação bastante detalhada de modo a determinar seu prakriti, e a partir de então receberá um tratamento individualizado, podendo ser uma pauta alimentar, tratamentos de massagem de crânio, azeite medicado com ervas específicas às suas necessidades, Panchakarma, entre outros. 

Trazendo esse conceito para a medicina ocidental, em nossa língua temos papilas gustativas que podem reconhecer todos os sabores mencionados na ayurveda, exceto o adstringente, que pode ser formalmente substituído pelo umami, percebido em toda a língua e parte da garganta.

Embora estejamos trazendo interpretações distintas para o mesmo assunto, em nossa vida cotidiana, avaliar a percepção de sabores é superimportante para melhorarmos nossos hábitos de alimentação, ou mesmo consolidar os já existentes. Além do mais, com esse novo conhecimento podemos utilizar a análise de percepção dos sabores para verificar nosso estado de saúde e equilíbrio. A minha sugestão a partir disso é que você explore melhor a sua habilidade de perceber o sabor dos alimentos.

Colocando em prática

Pegue um alimento ou especiaria de cada um dos sabores junto a um copo de água de 200 ml, um caderno ou folha e uma caneta ou lápis. Exemplos de alimentos por sabores:

Doce. Banana, mamão, melancia, ameixa seca, coco, cereais matinais, abóbora, kabocha.

Salgado. Sal, anchovas em azeite, salame, alcaparra.

Ácido. Laranja, limão, kiwi, tomate.

Amargo. Cominho, cúrcuma, chá verde, cacau, rúcula, café.

Picante. Berinjela, cebola, pimenta, rabanete, noz moscada.

Adstringente. Maçã e banana verde ou pouco madura, acelga, batata.

Prepare um lugar silencioso em que você possa ficar tranquilo. Feche os olhos e coloque um pedaço de algum alimento doce que você elegeu (não precisa fazer com todos os alimentos que te mostrei). Mantenha-se de olhos fechados ou levemente abertos, mas sempre atento  ao que está fazendo, explorando ao máximo o sabor do alimento que está provando. Comece a mastigá-lo, percebendo em que parte da língua você pode senti-lo com mais intensidade. Note também se este sabor é conhecido, se é agradável e depois tome um pouco d’água para lavar a língua. Repita estes passos com todos os sabores quando puder e quiser, registrando as informações e percepções.

Esse exercício é importante para que você conheça de maneira consciente as suas reais preferências alimentares. Muitas vezes, atendo pacientes que não sabem me contar quais são os seus alimentos preferidos ou aqueles pelos quais sentem aversão. Estamos falando de autoconhecimento, e será especial para você este momento de conexão e surpresas que podem surgir. Abra-se ao desconhecido sem pré-julgamentos e aceite a experiência como ela é.

Participação da terapeuta Karin Broschek, docente e proprietária da clínica Ayurdiets Chile e professora associada do Instituto Chakrapani Ayurveda India.

*O conteúdo dessa matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.

Referências Bibliográficas

Kotecha, V.R; Kotecha, M. A Beginner´s guide to ayurveda. Chakrapani Publications, Índia, 2020.
Kinikar–Patwardhan, Prachiti. 2013. Ayurveda Esencial; LAD, Vasant. 2014. Curación Ayurveda.