Desde a origem da espécie humana, e como parte de nossa evolução, o corpo humano vive em total sincronicidade com o seu entorno e com os ritmos do planeta terra. De alguma forma, podemos dizer que somos uma máquina harmônica que foi programada para funcionar em sintonia com as mudanças que ocorrem durante as 24 horas do nosso dia (ciclo circadiano). Portanto, nossos ritmos biológicos (rimos circadianos) estão importantemente regulados por um ciclo de luz e escuridão do planeta por meio de um relógio central interno localizado em nosso cérebro, que comanda nosso funcionamento, desde a expressão de nossos genes, até o nosso metabolismo. De modo igual, esse relógio central se coordena com outros relógios periféricos que executam diferentes papéis nos diferentes órgãos do nosso corpo. Nesse contexto, a luz solar é o principal sinal de sincronização desse relógio central, porém o corpo humano está fortemente influenciado por outros ciclos, como vigília-sono, jejum-ingestão e atividade física-inatividade.
Segundo o professor Nicolás Tobar, doutor em Nutrição do INTA da Universidade do Chile, atualmente existe grande interesse pela compreensão sobre como os nossos relógios internos funcionam, e de que forma o nosso comportamento pode modular esse modo de agir. Conhecer de que forma se regulam esses relógios e que sinais podemos entregá-los poderia nos ajudar a melhorar a nossa saúde e qualidade de vida.
A ciência que estuda o comportamento desses ciclos é conhecida como Cronobiologia e especificamente, quando nos referimos ao impacto da dieta sobre o metabolismo, estamos falando do termo crononutrição. A partir do conhecimento gerado sobre a nossa cronobiologia, é possível dizer que nosso funcionamento biológico apresenta diferentes níveis de atividade interna, segundo a hora do dia em que nos encontramos, explica Dr. Tobar. Além disso, os sinais externos também podem modificar comportamentos.
Daqui parte, portanto, a ideia de que temos o melhor momento do dia para despertarmos, comermos ou dormirmos, compreendendo agora de forma mais clara, que existem melhores momentos para realizar certas atividades, como fazer exercícios, comer, produzir intelectualmente, entre outros.
Quando o dia amanhece e somos expostos a luz solar, é como se o nosso corpo despertasse com mais energia armazenada, portanto, do ponto de vista fisiológico, atividades físicas mais vigorosas deveriam ser praticadas nessa janela temporal; por volta das 10h às 14h, todo o nosso sistema digestivo está mais ativo e pronto para liberar com maior eficiência enzimas e sucos digestivos, o que garantirá a melhor digestão e assimilação dos nutrientes. Para que você entenda mais claramente , esse é o melhor horário do dia para comer maiores quantidades de alimentos ou ainda aqueles alimentos que demandam maior digestão, como os proteicos de origem animal, em especial, carne de vaca e porco; neste momento, convém também o maior volume de alimentos ricos em carboidratos (pães, massas, cereais) já que esse nutriente poderá ser melhor utilizado e direcionado pelo nosso corpo, evitando acúmulo ou aumento nos níveis de açúcar que circulam (hiperglicemia).
À medida que o dia passa, entre as 14h até as 18h, a capacidade digestiva vai reduzindo. Nesse momento, o ideal é consumir alimentos ou preparações com densidade intermediária, como iogurtes, pães, cereais, oleaginosas, como castanhas, avelã, macadâmia e nozes e frutas, como laranja com bagaço, banana e abacate, por exemplo. Ao escurecer o dia, o corpo começa a desacelerar, e a partir das 18h até as 20h, o ideal seria o consumo de preparações leves como vegetais ou frutas cozidas, sopas, peixes assados, ovos e proteínas de origem vegetal, como as leguminosas.
De acordo com essa lógica, uma pessoa que realiza as suas refeições mais cedo, tendo a última refeição até as 20h, certamente teria uma capacidade digestiva e metabólica mais eficiente, além de menor predisposição para o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes, hipertensão e obesidade. Em alguns casos, a prática de restrição alimentar temporal entre 12h até 20 horas por dia, se mostra bastante efetiva no controle metabólico, do apetite e consequentemente do peso corporal, porém, o mais importante é fazer escolhas alimentares balanceadas e conscientes no momento das refeições.
Essencial, portanto, enfatizar que muitos são os fatores que podem influenciar em nosso funcionamento orgânico e consequentemente, nosso ritmo biológico: a genética, o envelhecimento, a alimentação, o estilo de vida entre outros. Ajudar o seu corpo a funcionar melhor te garante desfrutar de muito mais benefícios.
Em resumo, cabe reforçar que a forma como o nosso corpo se adaptou evolutivamente ao ritmo do planeta está sendo constantemente desafiado com as mudanças em nosso estilo de vida. As mudanças sociais e culturais estão modificando de forma importante nosso comportamento, e o ritmo da vida moderna traz consigo: i) um aumento na exposição a luz artificial e diminuição nas horas de sono, ii) maior tempo de ingesta alimentar e aumento na densidade energética dos nossos alimentos e iii) um progressivo sedentarismo. Todas essas mudanças entregam sinais ao nosso organismo que podem alterar o funcionamento deste relógio interno e, portanto, fazer com que se perca a sincronia. Essa condição, chamada de disrupção, seria em parte, responsável por um dano metabólico que é a base das doenças crônicas não transmissíveis.
Finalmente, tem sido descrito também, que existem grupos de pessoas que apresentam diferentes funcionamentos e respostas de seu ritmo interno, com relação ao ciclo dia/noite – caracterizando o que chamamos de cronotipos. Esses diferentes perfis podem interagir de forma diferenciada com os sinais do fator externo recebidos, e portanto, o seu metabolismo pode se adaptar de melhor ou pior maneira. Quer saber mais sobre esse assunto e conhecer qual é o seu perfil? Falaremos de cronotipos na próxima semana.
*Colaboração Dr. Nicolás Tobar é Engenheiro de Biotecnologia Molecular, doutor em Nutrição e Alimentos da Universidade do Chile.
**O conteúdo dessa matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.
***Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.
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