Antigamente, víamos o tecido adiposo, aquela gordurinha incômoda, somente como um tecido sem nenhuma atividade. Contudo, em 1987, os olhares começaram a mudar e o tecido adiposo foi identificado como o maior sítio de metabolização de hormônios esteróides e, subsequentemente, em 1994, reconheceu-se o tecido adiposo como um órgão endócrino, sendo a leptina um de seus primeiros produtos de secreção identificados¹. 

Dito isso, o excesso de gordura corporal, principalmente abdominal, desencadeia um processo inflamatório em todo o corpo, prejudicando a saúde e aumentando o risco de certas doenças crônicas, incluindo certos tipos de cânceres.

Antes de entrar no novo artigo, vamos entender um pouco sobre a gordura corporal.

Quais são os diferentes tipos de gordura abdominal?

Existem dois tipos principais de gordura abdominal, sendo um mais superficial (ou subcutâneo) e outro mais profundo (ou visceral), que envolve órgãos vitais.

Gordura subcutânea². É a gordura superficial, que costuma nos incomodar visualmente. Em geral, as mulheres têm maiores quantidades de gordura subcutânea do que os homens³. Esse tipo de gordura está menos associado ao risco de doenças, entretanto, o excesso da composição corporal de gordura está associado ao risco aumentado de doenças crônicas, como diabetes tipo 2, doenças cardíacas e certos tipos de cânceres. 4,5,6 Assim, manter níveis saudáveis de gordura abdominal e gordura corporal total pode ajudar a reduzir o risco de desenvolvimento de doenças crônicas. 

Gordura visceral². É a gordura que envolve os órgãos internos e vitais, como rins, fígado e pâncreas. Por isso, fica em uma região mais profunda do abdômen quando comparada à gordura subcutânea, sendo uma gordura mais prejudicial à saúde. Em relação à gordura subcutânea, a visceral é metabolicamente ativa, contendo mais células, vasos sanguíneos e nervos do que a gordura subcutânea.7 A gordura visceral está fortemente ligada ao aumento da resistência ao hormônio insulina, que regula a glicemia. Com o tempo, a resistência à insulina pode levar a níveis elevados de açúcar no sangue e ao desenvolvimento de diabetes tipo 28, além de contribuir para a inflamação sistêmica, o que pode aumentar o risco de doenças. Os homens são mais propensos a acumular gordura visceral do que as mulheres —e é por isso que os homens costumam ter aquela barriga mais protuberante.3

Mas devemos ter em mente que a distribuição de gordura corporal muda com a idade. Por exemplo, enquanto as mulheres na pré-menopausa têm níveis mais altos de gordura abdominal subcutânea, as mulheres na pós-menopausa tendem a ter níveis mais altos de gordura visceral, o que contribui para um risco aumentado de doença metabólica.9 

E o que a gordura abdominal tem a ver com câncer? 

Vários estudos analisaram a relação entre a gordura abdominal e o câncer. Um estudo acompanhou mais de 150.000 mulheres na pós-menopausa com idades entre 50 e 79 anos por cerca de 20 anos.10 

A pesquisa descobriu que as mulheres que têm gordura abdominal excessiva correm maior risco de morte, independentemente de seu peso. As causas de morte no estudo incluíram doenças cardiovasculares e câncer. As mulheres de peso normal que tinham gordura abdominal em excesso tendiam a ser mais velhas e eram menos propensas a usar hormônios da menopausa e a se exercitar. 

As mulheres que não estavam acima do peso ou obesas, mas tinham gordura extra na barriga, eram tão propensas a morrer de câncer quanto as mulheres com excesso de peso e com gordura extra na barriga.

Um estudo diferente acompanhou mais de 3.000 homens e mulheres por 7 anos. Eles usaram tomografias computadorizadas e exames físicos para observar a gordura em todo o corpo. Ao longo do estudo, homens e mulheres desenvolveram 141 casos de câncer, 90 incidentes relacionados ao coração e 71 mortes por várias causas. O estudo descobriu que pessoas com mais gordura abdominal, especificamente gordura visceral, tinham cerca de 44% mais chances de desenvolver câncer e doenças cardíacas, mesmo quando ajustadas para a circunferência da cintura.11

Reforçando esses achados, um estudo publicado recentemente (2023)12,

 mostrou que a obesidade está associada a vários tipos de cânceres e a distribuição de gordura, que difere drasticamente entre os sexos e é um fator de risco independente. No entanto, os efeitos específicos entre os sexos no risco de câncer foram pouco estudados. 

Foi um estudo prospectivo de 442.519 participantes adultos (entre 37 e 73 anos) do Reino Unido,, analisando 19 tipos de cânceres e subtipos histológicos adicionais, com um tempo médio de acompanhamento de 13,4 anos. 

Os resultados mostraram que há relação entre a gordura abdominal e a todos os tipos de câncer, exceto três (cerebrais, cervicais e testiculares), e o acúmulo de gordura está associado a um número maior de cânceres em comparação com a distribuição de gordura. Além disso, o acúmulo ou distribuição de gordura exibe efeitos diferenciais entre os sexos no câncer colorretal, hepático e esofágico —o último teve uma maior relação a proporção de gordura abdominal em mulheres, junto com endométrio e vesícula biliar. Os homens com excesso de gordura abdominal, tiveram maior incidência de câncer de mama, hepático e renal.

captura de tela 2023 06 13 as 153049 2 2 Excesso de gordura na barriga pode desencadear certos tipos de câncer
Imagem adaptada e traduzida do artigo de Rask-Andersen M, Ivansson E, Hoglund J et al. Adiposity and sex-specific cancer risk. REPORT| VOLUME 41, ISSUE 6, P1186-1197.E4, JUNE 12, 2023.

Além do mais, o estudo reforçou que a gordura excessiva na região abdominal é considerada mais patogênica e prejudicial do que a gordura subcutânea, como já reforçado na literatura sobre o assunto.

E o que fazer? 

Como você pode ver, a gordura abdominal pode ser muito perigosa. Dessa forma, emagrecer (reduzir a composição corporal de gordura e aumentar ou focar na manutenção da massa magra) ou prevenir o ganho de peso, pode reduzir os riscos à saúde.

Além disso, manter-se ativo, tanto no dia a dia quanto com exercícios físicos de forma regular, auxilia o seu metabolismo. É importante sempre incluir exercícios combinados, com musculação ou exercícios com peso para focar na manutenção e ganho de musculatura e, consequente, melhora da taxa metabólica basal, além de exercícios como HIIT (ou treinamentos intervalados de alta intensidade) e exercícios aeróbicos, aumentando a redução de gordura abdominal e melhorando o condicionamento cardiovascular, respectivamente.

Outro ponto importante é focar em uma alimentação in natura, com alimentos ricos em nutrientes e vitaminas essenciais, evitando alimentos processados e ultraprocessados que são considerados inflamatórios. Focar também na higiene do sono e redução do estresse são pontos primordiais para os primeiros passos visando a mudança de estilo de vida e melhora comportamental.

*O conteúdo dessa matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.

Referências Bibliográficas

¹Pinto, W. de J. (2014). A função endócrina do tecido adiposo. Revista Da Faculdade De Ciências Médicas De Sorocaba, 16(3), 111–120. Recuperado de https://revistas.pucsp.br/index.php/RFCMS/article/view/14868
²Dâmaso A. Nutrição e exercício na prevenção de doenças. Segunda edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 2012. ³Nauli AM, Matin S. Why Do Men Accumulate Abdominal Visceral Fat? Front Physiol. 2019 Dec 5;10:1486. doi: 10.3389/fphys.2019.01486. PMID: 31866877; PMCID: PMC6906176.
4Barberio AM, Alareeki A, Viner B, Pader J, Vena JE, Arora P, Friedenreich CM, Brenner DR. Central body fatness is a stronger predictor of cancer risk than overall body size. Nat Commun. 2019 Jan 22;10(1):383. doi: 10.1038/s41467-018-08159-w. PMID: 30670692; PMCID: PMC6342989.
5Shu J, Matarese A, Santulli G. Diabetes, body fat, skeletal muscle, and hypertension: The ominous chiasmus? J Clin Hypertens (Greenwich). 2019 Feb;21(2):239-242. doi: 10.1111/jch.13453. Epub 2018 Dec 7. PMID: 30525276; PMCID: PMC6374156.
6Zhao T, Lin Z, Zhu H, Wang C, Jia W. Impact of body fat percentage change on future diabetes in subjects with normal glucose tolerance. IUBMB Life. 2017 Dec;69(12):947-955. doi: 10.1002/iub.1693. Epub 2017 Nov 11. PMID: 29130609.
7Ibrahim MM. Subcutaneous and visceral adipose tissue: structural and functional differences. Obes Rev. 2010 Jan;11(1):11-8. doi: 10.1111/j.1467-789X.2009.00623.x. Epub 2009 Jul 28. PMID: 19656312.
8Verkouter I, Noordam R, le Cessie S, van Dam RM, Lamb HJ, Rosendaal FR, van Heemst D, de Mutsert R. The Association between Adult Weight Gain and Insulin Resistance at Middle Age: Mediation by Visceral Fat and Liver Fat. J Clin Med. 2019 Sep 28;8(10):1559. doi: 10.3390/jcm8101559. PMID: 31569345; PMCID: PMC6832997.
9Mittal B. Subcutaneous adipose tissue & visceral adipose tissue. Indian J Med Res. 2019 May;149(5):571-573. doi: 10.4103/ijmr.IJMR_1910_18. PMID: 31417024; PMCID: PMC6702693.
10Sun Y, Liu B, Snetselaar LG, Wallace RB, Caan BJ, Rohan TE, et al. Association of Normal-Weight Central Obesity With All-Cause and Cause-Specific Mortality Among Postmenopausal Women. JAMA Network Open. 2019;2(7):e197337. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/31339542.
11Britton KA, Massaro JM, Murabito JM, Kreger BE, Hoffmann U, Fox CS. Body Fat Distribution, Incident Cardiovascular Disease, Cancer, and All-Cause Mortality. Journal of the American College of Cardiology. 2013; 62(10): 921-925. http://www.onlinejacc.org/content/62/10/921.
12Rask-Andersen M, Ivansson E, Hoglund J et al. Adiposity and sex-specific cancer risk. REPORT| VOLUME 41, ISSUE 6, P1186-1197.E4, JUNE 12, 2023.