Tão importante quanto as próprias mulheres falarem mais sobre a experiência da gestação e do parto, é poder  trazer mais sobre questões relacionadas ao pós-parto também, como a dor e a sobrecarga desse período —lembrando que o intuito jamais será demonizar tampouco romantizar qualquer processo.

A ideia é abordar esse tema sem tabus, sem neuras e sem medo do desconhecido ou de julgamentos. Que, nutridas de informações e relatos, possamos filtrar e decidir se devemos nos preparar ou não para os tais desafios do corpo e alma. O fato é que: a chegada de um bebê para todos os envolvidos é um período marcado por transformações intensas em todos os âmbitos e aspectos da vida dos pais.

Para a mulher que pariu, em particular, se somam às adaptações da rotina, muitas alterações físicas, queda brusca hormonal, privação de sono, desafios de amamentação, e por vezes, até mesmo uma recuperação pós-cirúrgica. Sim, a cesárea é uma cirurgia de grande porte e por mais que seja “normalizada”, não devemos nos esquecer que ela exige muito do corpo.

Mudanças biológicas, sociais e emocionais 

Ah, as primeiras semanas —e no meu caso,  eu diria, os muitos meses que se seguiram do pós-parto —com as dificuldades naturais de cuidado do bebê parecem perdurar mais que o esperado do imaginário da grávida e do desafio do maternar. Afinal, tudo com o primeiro filho, é uma primeira vez cheia de incertezas para manter um recém-nascido seguro, confortável e saudável.

Inevitável falar de um período com um mix de sentimentos que, por vezes, parece se tornar super antagônico, mas que na realidade se complementam e convivem em harmonia no puerpério: no mesmo segundo que vem a felicidade, ela vem acompanhada de uma certa insegurança,  ansiedade e até momentos de tristeza. 

Para se ter ideia do impacto do pós-parto na saúde mental das puérperas, pesquisadores se dedicaram a investigar as mães ainda no hospital logo após o nascimento de seus bebês. O resultado da pesquisa apontou que, grande parte delas escolheu descrever o momento com palavras como: dor, insegurança e medo —que, claramente, são emoções que têm grande influência se sobrepondo e aumentando a percepção negativa  de tensão e estresse físico, emocional e até psicológico do puerpério.

 

A sobrecarga materna precisa ser validada

Ela existe sim! E, por mais presente que seja, a figura paterna exercendo com maestria seu papel, considero a “igualdade” entre os pais, uma utopia. Basta pensar que a gestante já parte fisiologicamente de um ponto distinto desde as primeiras semanas do gestar —são meses de alterações no corpo, concessões no cuidado com a barriga, uma relação que já estreita e impacta de forma significativa a rotina da mulher permeado da rotina de alimentação ao sono.

Estendendo ainda ao pós-parto imediato, é a mãe que tem a apojadura, amamenta, sente e percebe a queda hormonal brusca —e, sim, é geralmente ela quem fica em estado de alerta e atenção fisiológico —-acorda (ou simplesmente não dorme) atenta.

Aliás, quem nunca ouviu falar que é somente a mulher que tem a capacidade de ouvir o choro de um recém-nascido? Pois bem, não caia nessa, hein… A verdade é que, sempre haverá uma pessoa que assumirá o cuidado e se manterá em estado de alerta da cria. Além disso, a ciência já comprovou que isso ocorre independente do gênero.

Pesquisadores já revelaram que, mesmo em casais homoafetivos homens, sempre há um assumindo a dianteira do radar de cuidados madrugada adentro. Por isso, não adianta tirar o corpo fora e botar a culpa na biologia do sono masculino que é, segundo alguns pais, “mais pesado”.

Com tudo isso, talvez a equidade possa ser algo mais palpável no dia a dia de uma nova família. Apesar de partirem de pontos distintos, é possível fornecer ferramentas ou simplesmente entrar como suporte para que haja uma divisão de tarefas e cuidados mais leve e “justa” para todos —e aqui vale: uma boa gestão de cuidados da casa, do bebê e da rotina geral familiar.

 

Seu esporte: maternar – vivendo um iron mommy!

Pouca gente nos avisa sobre o quanto deveríamos nos preparar fisicamente para estar bem no pós-parto e nos cuidados do bebê —privação de sono, dor da cesárea, troca de fraldas, segurar o bebê no colo, levantar e agachar com peso —e, não menos importante, com pontos cicatrizando, e ainda se virando nos 30 nas adaptações na amamentação, mamilos rachando… tudo isso pode se acumular em semanas cansativas. 

Apesar de trabalharmos com gestantes há anos, minha perspectiva do pós-parto mudou completamente e veio com forte empatia para todas as mulheres mães. Algo que me pegou no puerpério foi o cansaço físico e mental. Não é nem somente pelo baby blues que de fato pode ser intenso para muitas de nós, mas a perspectiva de que toda mãe de recém-nascido é praticamente uma atleta olímpica, ficou muito evidente para mim! No pós-parto tudo acaba sendo vivenciado no limite físico e emocional da mulher, a gente literalmente “come e dorme quando e como pode”. 

Cada vez mais, percebo aumentar o número de mulheres convivendo com queixas e síndromes relacionadas a dores musculares e articulares após a maternidade. Muitas referem que são dores que “surgiram do nada” após se tornarem mães. 

Mas a verdade é que as dores musculoesqueléticas são muito mais comuns do que se imagina, e elas só se tornam mais evidentes com o cuidado do bebê: dores nas costas, pescoço, ombro e punhos, onde se concentra a maior sobrecarga durante este período, principalmente pela postura e aumento de carga ao carregar o bebê e pela rotina nova, pela posição de amamentação, de sonecas, de dormir mal, etc.

Algumas explicações fisiológicas se relacionam de forma direta  ao período: edema, compressão de articulações, liberação de hormônios como relaxina para abrir articulações preparando o corpo ao parto, fraqueza muscular e o próprio sedentarismo que muitas mantêm na gestação.

 

É preciso cuidar de você para cuidar por outro 

Sentir dor nunca é bom, mas durante o puerpério, a dor chega como uma carga a mais, né? A  maioria das mães deixa de lado o tratamento ou autocuidado. E sem julgamentos para que isso não se torne mais um peso para a mulher,  pois convenhamos, as demandas e prioridades com o cuidado do bebê já são extremamente altas. Além disso, vale dizer que são poucas —pouquíssimas —as mulheres que possuem rede de apoio.

Geralmente, quando a nova mãe procura ajuda, as dores não tratadas já evoluíram com quadros crônicos, causando disfunções e atrapalhando o cuidado com o bebê. Essas complicações afetam a adaptação à rotina materna. Na próxima matéria, falaremos uma a uma sobre as dificuldades físicas de uma nova mãe no pós-parto e como ela pode prevenir essas complicações ainda na gestação.

Conhece alguma amiga que acabou de se tornar mãe? Seja parte da sua rede de apoio! Qualquer ajuda na rotina (com o básico, mas essencial) já faz uma imensa diferença no seu dia, aliviando a sobrecarga e sendo o melhor abraço que você poderia lhe oferecer. Você pode se informar sobre saúde feminina e pélvica com as fisioterapeutas especializadas, clicando no conteúdo abaixo:

Instagram will load in the frontend.
==

*O conteúdo desta matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.

Referências Bibliográficas

Cheng, Hsuesh-YuWu, Bei-YuTung, Tao-HsinShieh, CarolLiu, Chun-Ting. Laser Acupuncture Analgesia on Postpartum Low Back Pain: A Prospective Randomized Controlled Study. Pain Manag Nurs ; 24(1): 89-95, 2023 02.
Gómez, NobertoIbáñez, JesúsFerreiro, José LuisRodríguez, Ángel. Enfermedad de De Quervain en el posparto / The “De Quervain’s” disease in de postpartum
Rev. esp. reumatol. (Ed. impr.) ; 28(7): 293-297, ago. 2001.
Jung, Kyoung-Sim; et al. The Effects of Taping Combined with Wrist Stabilization Exercise on Pain, Disability, and Quality of Life in Postpartum Women with Wrist Pain: A Randomized Controlled Pilot Study.
; 18(7)2021 03 30.
Seror, Paul. Conduction blocks of the median nerve at the wrist in pregnancy and postpartum carpal tunnel syndromes. Muscle Nerve ; 68(4): 380-387, 2023 10.
Tomasoni, Thais do Amaral; et al. Pain intensity and immediate puerperal discomforts / Intensidade de dor e desconfortos puerperais imediatos.. BrJP ; 3(3): 217-221, July-Sept. 2020. tab
Wiezer, M ; et al. Fatores de risco para dor na cintura pélvica pós-parto e dor lombar relacionada à gravidez pós-parto; uma revisão sistemática e meta-análise. Prática Científica Musculoesquelética ; 48: 102154, 2020 08.