Nas minhas duas últimas colunas aqui na IstoÉ Bem-estar eu explorei temas relacionados às relações interpessoais, como mentalização e confiança

Na coluna de hoje vou mudar de tema e retornar ao TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade), assunto fundamental porque têm íntima relação com a nossa produtividade e performance. Aliás, eu sugiro que você também leia as minhas colunas de 05 e 19 de dezembro de 2023, quando descrevi esse transtorno mental e falei do seu tratamento. 

Bem, vou tratar da relação entre o TDAH e Ansiedade, uma combinação muito comum e que traz muito sofrimento e disfunção aos seus portadores.

 

TDAH e ansiedade: quais as diferenças?

Mas em primeiro lugar, vamos entender o que são cada uma delas.

Ansiedade é um estado emocional caracterizado por sentimentos de preocupação, apreensão ou inquietação diante da percepção de que eventos no futuro terão desfechos ruins. O estado mental de ansiedade é frequentemente acompanhado por sensações físicas, como aumento da frequência cardíaca, sudorese, tremores e dificuldade de concentração. Ansiedade faz parte das vidas de cada um de nós, já que inevitavelmente vamos nos deparar com situações cujo desfecho pode não ser favorável para nós.

Por sua vez, TDAH é um transtorno do desenvolvimento caracterizado por sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade em intensidade e persistência suficientes para gerar disfunção cotidiana. Mais especificamente, TDAH envolve uma dificuldade em iniciar tarefas importantes (duvido que haja algum leitor desta coluna que nunca tenha procrastinado na vida!), além de dificuldades em permanecer focado na tarefa e de concluí-las de maneira devida, sem deixar partes por fazer. Ainda, envolve uma dificuldade na organização geral da própria vida, inclusive dificuldades em deliberação prévia para tomada de decisões e impulsividade tanto na realização de tarefas quanto nas relações interpessoais.

Não é difícil perceber que todos esses sintomas de TDAH geram problemas para as pessoas: tarefas são procrastinadas até o limite, seu resultado é inferior em termos de qualidade em comparação com o que poderia ser, imprevistos acontecem porque não houve planejamento e até conflitos com outras pessoas acontecem porque não há um bom controle sobre o que se fala. E o que isso tudo gera? Sim, você acertou, gera ANSIEDADE

 

TDAH e o estresse de todo dia

Muitos pacientes com TDAH passam pelo seu cotidiano tropeçando pelas tarefas sem conseguir realizá-las da maneira a par do seu potencial, além de serem regularmente surpreendidos por compromissos acumulados para os quais não conseguem se preparar devidamente. Progressivamente esse “atrito” cotidiano os submete a um grau elevado de estresse.

Estresse faz parte da vida, porém sabemos que há algumas formas de estresse tóxico que aumenta muito risco de desenvolvimento de transtornos mentais, como os transtornos de ansiedade. Por exemplo, estresse crônico com elevada incontrolabilidade é uma das formas desse estresse. E o estresse a que os portadores de TDAH são submetidos certamente tem essas características: é muito persistente ao longo do tempo e fora de controle!

 

TDAH e demanda excessiva

Sabemos que a maior parte de nós tem demandas de estresse heterogêneas ao longo da vida. Isto é, há momentos de maior demanda acadêmica, profissional ou familiar em que nossa organização, foco e persistência são demandados ao extremo. Tipicamente, é nesses momentos que os pacientes com TDAH apresentam as manifestações mais intensas de ansiedade.

Por exemplo, diante da necessidade de estudo para alguma prova importante, ou realização de algum trabalho acadêmico (TCC, mestrado, doutorado) ou de qualquer outra forma de excesso de trabalho, uma pessoa com TDAH está mais suscetível a se desorganizar e ser soterrada pelas demandas. Junto com esse soterramento compreensivelmente surge ansiedade: “como eu vou dar conta disso tudo?”, “preciso parar de procrastinar!”, “estou aqui há 2 horas e não consigo começar a fazer esse trabalho!”, “É a décima vez que me distraio nesta mesma tarefa!”

Em seguida, acontece um efeito adicional e potencialmente terrível da ansiedade: piora adicional da atenção e da organização. Isso mesmo, desatenção e desorganização geram ansiedade, que por sua vez pioram a desatenção e a organização. Nossa atenção é muito sensível a emoções negativas, como a ansiedade. Por exemplo, é importante que, diante de um perigo real e concreto, haja no nosso organismo um sistema capaz de capturar a nossa atenção de maneira muito intensa. Se estamos sendo ameaçados por animais selvagens, é impróprio que a gente pense sobre qualquer outro tema. Nos distrair de qualquer tarefa e focar nessa ameaça seria fundamental para a nossa sobrevivência!

Mas, claro, os pacientes com TDAH e ansiedade não estão sendo ameaçados por um animal selvagem, mas sim pelas possíveis consequências ruins de não concluir tarefas importantes. Alguém pode se questionar: “mas estar um pouco ansioso não pode ser útil para que haja mais foco nas tarefas?” E a resposta é: sim, estar UM POUCO mais ansioso ajuda. Estar MUITO mais ansioso não ajuda e vou te explicar o porquê.

 

Amplificação de ansiedade

Ansiedade muito intensa com muita frequência vira alvo da própria ansiedade, tornando a si mesma patológica. Parece estranho, mas vou explicar melhor para você. Imagine que alguém ansioso começa a se preocupar com um potencial problema do futuro. Pode ser interessante que isso ocorra porque o indivíduo de fato pode agir preventivamente, assim evitando que essa dificuldade piore. Mas imagine uma situação em que as preocupações dominem o espaço mental do indivíduo a ponto de ele não conseguir mais realizar a própria tarefa em questão ou qualquer outra tarefa. Por exemplo, imagine que alguém fica tão preocupado com a potencial falha em uma prova especialmente difícil que não consegue estudar para essa prova ou até para outras provas, mais fáceis. Agora imagine que esse alguém já tenha dificuldades em estudar porque tem TDAH… pronto, essa combinação compromete mais e mais, em um círculo vicioso, o desempenho do paciente que apresenta, concomitantemente, sintomas ansiosos e de TDAH.

 

E como fazer o diagnóstico?

É muito comum que um paciente apareça no consultório de um profissional de saúde mental com muita ansiedade e que essa ansiedade tenha surgido da combinação de uma sobrecarga com um TDAH não previamente diagnosticado. Dessa forma, o profissional precisa avaliar retrospectivamente se há sintomas de TDAH anteriores a esse período de maior ansiedade. Ainda, vai precisar considerar se, após o tratamento da ansiedade, não há sintomas de TDAH remanescentes.

Essa avaliação criteriosa é importante por uma razão simples: sem o tratamento apropriado do TDAH, é muito improvável que não haja novas crises diante de uma eventual sobrecarga futura de trabalho. 

 

Mas nem sempre é TDAH

Tenhamos cautela. Certamente tem muita gente por aí com TDAH que nunca recebeu esse diagnóstico, mas também vemos pessoas sem TDAH e que receberam esse diagnóstico. Transtornos de ansiedade são muito comuns e a maior parte de seus portadores não têm TDAH. Nada exclui uma avaliação clínica bem-feita.

Para concluir, a prática do profissional de saúde mental precisa, necessariamente, considerar que os transtornos mentais se apresentam concomitantemente de maneira que um modifica a apresentação clínica do outro. Um exemplo muito comum dessa combinação é o paciente com TDAH e transtornos de ansiedade. Um diagnóstico com boa acurácia seguido por um tratamento personalizado é a chave da qualidade de vida e da saúde mental!

 

*O conteúdo desta matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.