A relação entre o exercício físico e nosso sistema imunológico é um tema que pode ser difícil de entender. Treinar é essencial para manter uma vida saudável, e também para ter sucesso nos esportes. Entretanto, a saúde de alguns atletas pode ser afetada quando levam seus corpos ao limite, afetando seu sistema imunológico e dificultando a prevenção de infecções.

O que faz nosso sistema imunológico?

Imunidade significa a capacidade do nosso organismo de reconhecer um agente estranho e responder contra ele, na tentativa de eliminá-lo. Existem dois tipos de imunidade:

Imunidade inata. É a qual nascemos com, sendo nossa primeira linha de defesa. É uma resposta rápida, não específica e limitada aos estímulos estranhos ao corpo. Os principais componentes são as barreiras físicas e mecânicas (pele, mucosa, trato respiratório), as barreiras fisiológicas, as celulares e as inflamatórias.

Imunidade adquirida ou adaptativa. É ativada pelo contato com agentes infecciosos e sua resposta à infecção aumenta a cada exposição ao mesmo invasor. Aqui incluímos o processo de imunização por meio de vacinas e a transferência de anticorpos da mãe para o feto.

Os órgãos primários do sistema imunológico são aqueles que produzem linfócitos, os glóbulos brancos ou também chamados de células de defesa do nosso organismo. Podemos citar o timo, a medula óssea e o fígado fetal. Ainda nesse sistema incluem os órgãos secundários, onde a resposta imune adquirida é iniciada, citando o baço e os linfonodos. 

Exercício físico e o sistema imunológico
De acordo com alguns estudos, o exercício, especialmente o de baixa intensidade, é benéfico para a resposta imune do nosso organismo, ajudando na melhora das funções de diversas células imunes, como linfócitos, monócitos, neutrófilos e células natural killers. Isso diminui a incidência de infecções causadas por micro-organismos.

Contudo, existem diversas evidências demonstrando que o exercício extenuante está associado a efeitos adversos sobre a resposta imune, levando à imunossupressão —queda da atividade do sistema de defesa. Estas alterações são confirmadas por diversos estudos epidemiológicos em seres humanos após exercícios de longa duração, demonstrando aumento de infecções no trato respiratório superior, e em estudos com roedores, sugerindo que o exercício extenuante pode promover aparecimento mais frequente e severo de infecções.

Hipóteses sobre a relação entre exercícios e imunidade

Existem duas hipóteses para explicar a relação entre o sistema imunológico e o exercício físico. A primeira se refere ao papel dos hormônios de estresse e a segunda inclui a glutamina, substrato indispensável para as células do sistema imunológico.

O cortisol é um hormônio imunossupressor que exerce forte influência sobre as células do sistema imunológico. No exercício, o cortisol parece agir tardiamente, tendo papel de destaque no período de recuperação. As catecolaminas, por sua vez, têm suas concentrações elevadas no início e permanecem elevadas ao longo de todo o exercício. Por isso, altas concentrações são responsáveis pela queda do sistema de defesa, levando a alterações imunológicas.

Com relação à da glutamina, estudos demonstram que a ausência ou diminuição da concentração plasmática desse aminoácido gera um impedimento parcial da função imunológica, levando à imunossupressão, como demonstrado em quadros infecciosos e após exercícios de intensidade moderada, porém de longa duração.

Benefícios e malefícios do exercício de acordo com sua duração e intensidade

exercício

O exercício pode ser considerado um agente estressor, pois, para realizá-lo, o organismo realiza modificações fisiológicas a fim de responder à quebra da homeostase e, assim, promover o restabelecimento das diversas funções fisiológicas modificadas pelo exercício.

Dentre os sistemas que sofrem com essas modificações está o imunológico, sendo este influenciado de diferentes formas, relacionadas com a duração e intensidade da atividade física. 

Um treino curto e moderado (até 90 minutos, a 65% do VO2  máximo) parece ser benéfico para a imunidade, pois melhora a função de diversas células imunológicas e diminui a incidência de infecções. O extenuante (longa duração, acima de 90 minutos) está associado à imunossupressão, aumentando a incidência de infecções no trato respiratório superior e outras doenças.

Esse fato é evidenciado pela teoria da curva em “J”, postulada por Nieman e Canarella (1994), e a teoria da conhecida “janela aberta” de Pedersen e Ullum (1994), mostrando que existe um período de imunossupressão que pode durar até 72 horas após o exercício extenuante, deixando o indivíduo susceptível a desenvolver infecções.

Em 2006, o estudioso Malm postulou o quadro imunomodulador do exercício com a “curva em S”, diferindo da “curva em J” pelo acréscimo do grupo atletas de elite. Ele mostrou que o exercício moderado leva a uma menor incidência de infecções, enquanto exercícios de longa duração podem levar à redução da atividade do sistema imunológico. Em atletas de elite, essa redução da atividade imunológica é menor quando comparadas a pessoas que não são atletas, mas submetidas ao treinamento extenuante. Os motivos desse comportamento não são conhecidos, possivelmente pelo fato de serem profissionais e o organismo estar altamente adaptado a treinos vigorosos.

O exercício extenuante aumenta a geração de radicais livres e espécies reativas de oxigênio, por meio de diversas vias. Neutrófilos e macrófagos migram para o local da contração induzida pela lesão muscular e a liberação de citocinas é ativada, produzindo espécies reativas de oxigênio. A maioria dessas espécies é neutralizada por um sofisticado sistema de defesa antioxidante composto de uma variedade de enzimas e antioxidantes não enzimáticos, incluindo vitamina A, vitamina E, vitamina C, glutationa, biquinona e flavonoides. 

Se você faz exercícios extenuantes, é muito importante incluir no cardápio alimentos que fornecem esses nutrientes e ajudam a melhorar a resposta do sistema imunológico, como pimenta, limão, maçã, alho, toranja, gengibre, chá de camomila e framboesa. Também é essencial um programa de treino bem planejado, que respeite o período de descanso, para que seu organismo possa se recuperar. Por isso, busque sempre orientação de um educador físico e de um nutricionista.

Novo estudo

Um estudo publicado na People´s Military Medical Press intitulado em “Elucidating regulatory processes of intense physical activity by multi-omics analysis” , reforça a hipótese que exercícios físicos extenuantes podem causar uma queda no sistema imunológico. O estudo analisou mais de 4.700 moléculas de fluido pós-exercício de bombeiros.

Embora existam fortes evidências que sugerem que a atividade física moderada entre indivíduos saudáveis ​​pode favorecer o sistema imunológico em longo prazo, o que acontece ao sistema imunológico diretamente após o exercício vigoroso é controverso.

Não há dúvida de que os exercícios fazem maravilhas à nossa saúde, desde melhorar o humor até fortalecer o sistema imunológico. Mas, tal como em estudos anteriores, a investigação detectou possíveis sinais de imunossupressão nos bombeiros treinados. 

Em meio às mudanças físicas esperadas que ajudam nosso corpo a manter o aumento de fluidos, energia e oxigênio que o exercício exige, houve uma diminuição nas moléculas envolvidas na inflamação. Isto foi acompanhado por um aumento da opiorfina, que é um analgésico e antidepressivo natural encontrado na saliva humana, além de ser um dilatador dos vasos sanguíneos periféricos.

O que estas mudanças significam, em última análise, para o funcionamento do sistema imunológico a curto prazo, não está claro, mas os investigadores têm algumas hipóteses.

  • A opiorfina pode aumentar o fluxo sanguíneo para os músculos durante o exercício para melhorar o fornecimento de oxigênio e nutrientes.
  • A diminuição das moléculas inflamatórias que os pesquisadores encontraram na saliva após o exercício pode representar um mecanismo adaptativo para melhorar as trocas gasosas em resposta à maior demanda celular de oxigênio.
  • Houve mudança no microbioma oral dos participantes. Os cientistas suspeitam que isto se deve ao aumento de peptídeos antimicrobianos encontrados na boca dos bombeiros após a sua intensa atividade, possivelmente para compensar a supressão imunológica, embora esta conclusão seja contestada.

Embora uma comparação dos indivíduos tenha reduzido o impacto do pequeno tamanho da amostra, os bombeiros experimentam exposições únicas a poluentes durante os incêndios, o que também pode alterar as suas reações imunológicas. Além disso, este estudo considerou apenas homens saudáveis ​​e ativos. Tendo em conta estudos anteriores, há evidências que apoiam uma relação entre as exigências físicas e uma maior incidência de infecções respiratórias.

E se você quer saber se deve ou não treinar mesmo doente, leia a minha matéria “Posso treinar resfriado?” Entenda a relação entre exercício e sistema imunológico” 

 

*O conteúdo desta matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.

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