Cada vez mais, as pessoas comem fora de casa. A falta de tempo devido a correria do dia a dia ou o simples desejo de comer algo diferente são alguns dos fatores pelos quais estes números só aumentam. O grande problema é que o setor de alimentos é um dos que mais produz resíduos orgânicos, além de gastos com água e energia; por isso temos que ter consciência do aproveitamento integral dos alimentos.
Infelizmente, no Brasil há um grande desperdício de alimentos, mesmo em nossos lares, já que muitas vezes não utilizamos os alimentos de maneira integral, desperdiçamos partes como cascas, folhas, sementes raízes e talos, que podem ser consumidos nas mais diversas preparações, além de serem muito nutritivos. Uma publicação da EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) ranqueou algumas frutas que mais são desperdiçadas em nosso consumo cotidiano: abacate (31%), abacaxi (24%), laranja (22%), banana (40%), mamão (30%), manga (27%) e morango (39%). Com estes elevados percentuais poderíamos fazer inúmeras preparações –desde chás até pastas, para comer com pão, torrada, sucos e geleias.
Cascas, talos, folhas e sementes são boas fontes de fibras alimentares e por vezes, até de lipídios, tendo-se como exemplos as sementes de abóbora, os talos de brócolis, de couve, de espinafre, as cascas de banana, de laranja, de limão, de rabanete e folhas de brócolis. A semente de moranga é rica em ácidos graxos poli-insaturados e protetores cardiovasculares, podendo ser muito úteis no preparo de farinhas ou sobre saladas e na própria refeição, para enriquecê-las. Essas partes comestíveis –mas pouco aproveitadas – dos vegetais podem ainda ser incorporadas em recheios de tortas, panquecas, misturados em carne, arroz, entre outras possibilidades culinárias.
Quando o aproveitamento integral dos alimentos não for possível, você poderá utilizar as aparas, tiras e cascas (de cebola, por exemplo) para fazer compostagem. Se você tiver um espaço, mesmo que pequeno, inicie essa técnica, já que a composteira pode ser aberta ou fechada, e instalada em ambientes pequenos.
A versatilidade de alguns grupos de alimentos chama a atenção, como é o caso, por exemplo, das frutas, com muito potencial de aproveitamento; a casca da laranja, tangerina, limão e mamão por exemplo, possui diversos compostos com propriedades funcionais (terpenoides, carotenoides, cumarinas, furanocumarinas e compostos fenólicos) logo, ao descascarmos e jogarmos esta parte do alimento fora, estamos desperdiçando um conteúdo nutricional de elevado valor biológico, já que muitos desses compostos apresentam propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias. Uma boa forma de aproveitar as cascas seria na forma de chás, petiscos, tirinhas, receita de doces, massa para tortas, entre outros.
Desenvolver o hábito de aproveitar integralmente os alimentos não traz impacto positivo apenas no campo da sustentabilidade, mas também na área de saúde pública, visto que essa prática pode atuar conjuntamente a outras medidas no combate à fome, insegurança alimentar e carências nutricionais, tão frequentes em nossa população.
Uma atitude consciente envolve reduzir a quantidade de resíduo orgânico que produzimos ao preparar as nossas refeições, reutilizando tudo o que se pode.
Segundo o Doutor Adriano Costa de Camargo, professor da Universidade do Chile, que atua também na área de alimentos funcionais e compostos bioativos, a revolução industrial do século XVIII trouxe, sem dúvida, um grande avanço na produção, mas também um modelo econômico baseado na extração, transformação, no uso e no descarte e isso também teve influência na área de produção e consumo de alimentos. Esse modelo linear levou à superexploração dos recursos naturais. Os primeiros movimentos ambientais começaram na década de 1960 com a publicação do livro Silent Spring, também conhecido como primavera silenciosa, escrito por Rachel Carson.
O pesquisador também destaca que, nesse momento, se questionava a exploração indiscriminada de recursos, as monoculturas e o uso excessivo de substâncias tóxicas no meio ambiente. Nessa etapa, foi desenvolvido o conceito de desenvolvimento sustentável, enfatizando a importância do cuidado com os recursos naturais no presente para garantir a qualidade de vida das gerações futuras. Vários economistas têm trabalhado no novo conceito de “economia verde” desde o final do século passado. Ele visa reduzir o impacto ambiental e fazer uso eficiente dos recursos. Ao mesmo tempo, destacou-se a importância de estabelecer uma relação coerente entre o meio ambiente e o sistema econômico, a partir de uma abordagem de sistema fechado, ecológico e cíclico que permita a recirculação de recursos. Foi nessa linha que David Pearce e R. Kerry Turner formularam o termo “Economia Circular” em 1990, propondo um fluxo econômico fechado, inspirado no equilíbrio da natureza. Portanto, embora tenha ganhado mais atenção ultimamente, esse modelo econômico foi proposto há mais de 30 anos.
O que hoje conhecemos como economia circular já tem sido estudado há muito tempo na área de alimentos nas universidades latino-americanas. Embora o termo “aproveitamento de resíduos de alimento ou agroindustriais” tenha sido amplamente utilizado, o conceito é o mesmo. O impacto da pesquisa de doutorado do professor Adriano, se viu de forma prática, já que uma propositura baseada na sua tese de doutorado foi enviada à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. O documento solicitava a “realização de estudos e urgentes providências no sentido de possibilitar, através de iniciativa própria desse Poder, a isenção ou, na inviabilidade desta, a alteração da legislação específica, com vistas a reduzir a alíquota do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidente sobre a casca de amendoim, face à utilização dessa matéria prima em produtos medicinais”.
O pesquisador explica que, na verdade, grande parte dos compostos bioativos do amendoim estão na pele, ou seja, na parte que se desprende, por exemplo, durante o processo de torra ou que é removido industrialmente. Embora estudos clínicos sejam necessários para confirmação, experimentos in vitro e com modelos animais demonstram que este resíduo apresenta grande quantidade de taninos (compostos similares aos presentes na uva e no vinho) com propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias e que poderiam ser utilizadas como coadjuvantes em pessoas diabéticas e/ou dislipidemia.
Agora você já sabe, muitas vezes os resíduos comestíveis que descartamos são ricos em componentes nutricionais ou compostos bioativos. Incentivemos o desperdício zero, que é bom para o bolso e excelente para a saúde.
*O conteúdo dessa matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.
**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.
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