Muitos atletas e desportistas subestimam um fator que afeta o seu desempenho e que é altamente relatado entre vários indivíduos:  as alterações intestinais. Para algumas pessoas, esse desconforto gastrointestinal é esporádico e não tem consequências, mas para outros é repetitivo, frustrante, debilitante e pode levar a complicações de saúde mais graves a curto e longo prazo. 

As queixas mais comuns incluem eructação, náusea, refluxo gastroesofágico, cólicas abdominais, aumento da flatulência, fezes moles, diarreia ou mesmo diarreia com sangue e vômitos. Existem vários fatores que influenciam a diversidade e a gravidade das queixas intestinais. Estes incluem o tipo de evento, duração e intensidade do exercício e condições ambientais. Ainda, as mulheres são mais propensas do que os homens a enfrentar esses problemas. 

Os problemas intestinais induzidos pelo exercício surgem predominantemente de alterações fisiológicas normais que ocorrem nos sistemas gastrointestinal e imunológico em resposta ao exercício. Há um grande conjunto de evidências que associam alterações no fluxo sanguíneo e na resposta ao estresse ao iniciar o exercício com queixas intestinais. Há também evidências crescentes de que uma terceira mudança fisiológica nos aspectos mecânicos (por exemplo, impacto do pé, solavanco e impacto repentino) pode estar ligada. Cada um desses fatores é abordado com mais detalhes abaixo:

 

Sangue desviado do intestino

Durante o exercício, o sangue é desviado para os músculos (para fornecer nutrientes e oxigênio) e para a pele (para ajudar a manter o corpo fresco). Isso reduz o fluxo sanguíneo para o intestino. Se isto persistir por muito tempo, a barreira gastrointestinal pode ser danificada. Também se torna altamente permeável a microrganismos indesejados e patogênicos (por exemplo, bactérias e endotoxinas bacterianas) que estão naturalmente presentes ao longo do trato gastrointestinal como parte da microbiota intestinal. O dano localizado, juntamente com a permeabilidade dos microrganismos na corrente sanguínea circulante, desencadeia respostas imunológicas locais e globais, caracterizadas como inflamação.

 

Resposta ao estresse

A resposta do estresse ao exercício, através do cortisol, promove uma redução na função intestinal geral, incluindo redução da motilidade gastrointestinal, digestão e absorção de nutrientes. Posteriormente, isso aumenta o risco de má absorção de nutrientes (por exemplo, carboidratos) e, portanto, o exercício por si só impede naturalmente a capacidade do atleta de fornecer nutrientes e água num momento de maiores necessidades.

 

Efeitos mecânicos

Especula-se que as tensões mecânicas do exercício no intestino resultam em alterações na barreira gastrointestinal e redução da sua função. 

É importante notar que estes diferentes mecanismos que contribuem para os problemas intestinais não são independentes uns dos outros, eles interagem dinamicamente entre si. Por exemplo, os danos nos tecidos gastrointestinais podem reduzir a sua função, enquanto a redução da função intestinal pode aumentar os danos nos tecidos, e ambas as perturbações podem aumentar o risco de má absorção de nutrientes. Além disso, a presença de nutrientes mal absorvidos ao longo do trato intestinal, como resultado de danos nos tecidos e/ou função reduzida, pode estimular os hormônios intestinais e contribuir para retardar a motilidade intestinal, e até, potencializar a fermentação bacteriana ao longo do trato intestinal que resultará no aumento do conteúdo de gases.

Existe também um amplo espectro de fatores que podem agravar queixas intestinais durante e após o exercício, dependendo da magnitude da exposição e de como estas são tratadas. 

Esses fatores incluem:

– alta intensidade do exercício; 

– longa duração; 

– ambiente quente;

– variação circadiana: noturno pode ser pior do que o diurno;

– desidratação; 

– alimentação pré-treino: por exemplo, excesso e carboidratos;

– fármacos: por exemplo, anti-inflamatórios não esteroidais;

– predisposição para doenças/distúrbios intestinais; 

– composição da microbiota intestinal 

Todas essas vias, interações dinâmicas e fatores predisponentes, são possíveis razões para queixas intestinais durante e após o exercício. Assim, mostra a importância da avaliação individual do intestino durante o exercício para avaliar os principais fatores antes de qualquer estratégia de prevenção e/ou manejo a ser testada.

*O conteúdo dessa matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.

Referências Bibliográficas

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