Mais de um trilhão de microrganismos influenciam o funcionamento do nosso organismo. Em uma pessoa saudável, o microbioma — ambiente bacteriano no trato gastrointestinal — é caracterizado por uma grande variedade de bactérias intestinais (conhecidas como microbiota).

A maior concentração de microrganismos é encontrada no trato gastrointestinal e consiste principalmente de bactérias. A distribuição bacteriana no trato gastrointestinal varia de acordo com a região e é influenciada pelo pH, oxigênio e disponibilidade de nutrientes.

A microbiota intestinal desempenha um papel importante na função intestinal normal e na manutenção da saúde. Produz um grande número de enzimas envolvidas na capacidade de extrair energia da dieta e depositar energia nos estoques de gordura, mas isso depende de um equilíbrio entre bactérias potencialmente patogênicas e vários microrganismos não patogênicos que promovem a saúde.

As bactérias comensais no intestino podem proporcionar os benefícios de um órgão extra eficaz, extraindo energia da digestão da celulose, melhorando o desenvolvimento e a maturação do sistema imunológico intestinal e sistêmico.

 

Qual a relação entre a microbiota e o exercício?

Sabemos que o exercício é indiscutivelmente o fator de estilo de vida mais potente e alcançável que os indivíduos podem utilizar para se protegerem contra uma grande variedade de doenças. Isso inclui doenças metabólicas, cardiovasculares, neurodegenerativas e neoplásicas. Além disso, estudos apontam que a prática de exercícios físicos podem influenciar na microbiota intestinal, destacando uma relação bidirecional, com o exercício impactando a composição da microbiota intestinal, enquanto a microbiota pode influenciar o desempenho.

Os exercícios moderados e intensos — longa distância — costumam fazer parte do regime de treinamento de atletas de resistência, mas exercem efeitos diferentes na saúde.

Uma revisão deste ano (2021), publicada pela Frontiers in Nutrition intitulada em “Interplay Between Exercise and Gut Microbiome in the Context of Human Health and Performance” mostrou que:

  • O exercício moderado tem efeitos positivos na saúde dos atletas, como uma redução da inflamação e da permeabilidade intestinal e uma melhora na composição corporal, induzindo mudanças positivas na composição da microbiota intestinal e nos metabólitos microbianos produzidos no trato gastrointestinal.

 

  • Já o exercício de longa distância, pode aumentar a permeabilidade da parede epitelial gastrointestinal e diminuir a espessura do muco intestinal, potencialmente permitindo que os patógenos entrem na corrente sanguínea, podendo contribuir para o aumento dos níveis de inflamação.

 

  • No entanto, atletas de elite parecem ter uma diversidade microbiana intestinal maior, deslocada para espécies bacterianas envolvidas na biossíntese de aminoácidos e no metabolismo de carboidratos/fibras, consequentemente produzindo metabólitos-chave, como ácidos graxos de cadeia curta.

 

Em 2009, uma revisão sobre exercício físico e trato gastrointestinal intitulado em “The impact of physical exercise on the gastrointestinal tract” já mostrava que o exercício físico poderia ser benéfico ou prejudicial para o trato gastrointestinal em uma relação dose-efeito entre sua intensidade e saúde.

Os exercícios de intensidade leve a moderada desempenham um papel protetor contra câncer de cólon, doença diverticular, colelitíase e constipação, ao passo que exercícios intensos agudos podem provocar azia, náusea, vômito, dor abdominal, diarreia e até sangramento gastrointestinal.

Esta revisão apontou que alguns atletas de elite são prejudicados pelos sintomas gastrointestinais que podem impedi-los de participar de treinamentos e eventos competitivos. Os sintomas gastrointestinais induzidos por exercícios vigorosos são frequentemente atribuídos a alterações na motilidade, fator mecânico ou secreções neuroimunoendócrinas alteradas.

Uma das causas, poderia ser a relação entre exercícios extenuantes e estados de desidratação referidos por 70% dos atletas. A isquemia intestinal — déficit circulatório para as alças intestinais ou para o intestino, ou seja, os vasos sanguíneos da região intestinal apresentam estreitamento ou são totalmente bloqueados, o que acaba por comprometer o correto fluxo sanguíneo no local — seria a principal causa de náusea, vômito, dor abdominal e diarreia com sangue. 

A frequência foi quase duas vezes maior durante a corrida do que durante outros esportes de resistência, como ciclismo ou natação, e 1,5 a 3 vezes maior em atletas de elite do que em atletas recreativos. Treinamentos, modificações no estilo de vida, composição das refeições, hidratação adequada e evitar o uso excessivo de alguns medicamentos orientados por um médico são as recomendações para melhorar o quadro.

Exercício e microbiota
O exercício induz adaptações moleculares benéficas, permitindo o aprimoramento da aptidão cardiorrespiratória. A diversidade bacteriana aumenta, incluindo espécies produtoras de SCFA (ácidos graxos de cadeia curta). Por outro lado, os patobiontes como E. coli e E. faecalis, espécies potencialmente causadoras de doenças que, em circunstâncias normais, são encontradas como um simbionte não prejudicial, diminuem. Ainda faltam estudos longitudinais que monitorem a intensidade e modalidade do exercício, dieta, características dos indivíduos e microbiota intestinal. (Crédito:Clauss et al (2021))

Um estudo recente (2022) realizado com camundongos, intitulado em “A microbiome-dependent gut–brain pathway regulates motivation for exercise”, investigou a importância do microbioma no desempenho do exercício, realizando medições ergométricas em esteira sob condições em que a colonização microbiana é bem definida (gnotobióticas). 

Os pesquisadores observaram que a ausência do microbioma em camundongos livres de germes ou tratados com antibióticos diminuiu a capacidade de exercício aeróbico e de resistência em aproximadamente 50%, sugerindo que o microbioma intestinal pode ser um contribuidor importante para a variabilidade interindividual na atividade física.

Contrariamente às expectativas do estudo, os efeitos dos micróbios intestinais no desempenho físico não foram mediados por tecidos classicamente associados ao exercício, como o músculo esquelético. Em vez disso, o microbioma pareceu influenciar o impacto do exercício no cérebro. A atividade física intensa estimula inúmeras respostas neuroquímicas no cérebro, incluindo um aumento na liberação de dopamina no corpo estriado e, na ausência do microbioma, este aumento foi severamente diminuído.

A liberação de dopamina causa sentimentos de prazer, motivação e recompensa – todos elementos que alguns indivíduos experimentam após exercício intenso. Com base nestas descobertas, pesquisadores especulam que o microbioma pode aumentar a capacidade de exercício através da sua capacidade de modular as respostas de dopamina induzidas pelo exercício e que a deficiência de dopamina poderia ser a causa da redução do exercício em animais com depleção de microbioma. Consistentemente, a restauração da sinalização de dopamina restaurou totalmente a sua capacidade de corrida.

 

Os micróbios presentes no trato gastrointestinal têm a capacidade de regular os níveis de neurotransmissores no cérebro?

A comunicação entre o microbioma e o cérebro pode ocorrer através de moléculas microbianas que entram na circulação sistêmica ou através de ligações neurais diretas entre o intestino e o cérebro. Os cientistas não encontraram evidências de um mediador sistêmico derivado do microbioma que influencie a capacidade de exercício. 

Por outro lado, a inibição dos neurônios sensoriais que inervam o intestino recapitulou o efeito da depleção do microbioma no exercício, enquanto a estimulação dos aferentes sensoriais restaurou a capacidade de exercício mesmo na ausência do microbioma.

Foi identificada uma via pela qual a produção microbiana de amidas de ácidos graxos (FAAs) aumentava a atividade dos neurônios sensoriais através do receptor endocanabinóide CB1. Este aumento na atividade neuronal, por sua vez, impulsionou a sinalização de dopamina no estriado durante o exercício.

Esta via pode ser aproveitada para modular o desempenho do exercício através de intervenções gastrointestinais. Por exemplo, colonizar camundongos livres de germes com bactérias produtoras de FAA geneticamente modificadas ou alimentar camundongos tratados com antibióticos com uma dieta contendo FAA restaurou sua capacidade de exercício. No entanto, quando utilizavam um inibidor periférico de CB1 ou um bloqueador central dos receptores de dopamina, os efeitos positivos destas intervenções foram anulados.

Microbiota, cérebro e exercício
Relação cérebro e intestino. (Crédito:Thaiss et al.)

Existe um tempo de treino para impactar o microbioma?

Em um estudo de 2018 da Universidade de Illinois, os pesquisadores descobriram que praticar exercícios por apenas seis semanas pode ter um impacto no microbioma. A pesquisa contou com uma amostra de humanos bem pequena — 18 adultos sedentários com peso normal e 14 adultos com obesidade. Os pesquisadores analisaram os microbiomas intestinais dos participantes e, em seguida, iniciou-se um programa de exercícios que consiste em exercícios cardiovasculares por 30 a 60 minutos, três vezes por semana, durante seis semanas.

No final das seis semanas de exercícios, os pesquisadores novamente colheram amostras dos microbiomas intestinais dos participantes e descobriram que os microbiomas haviam mudado. Alguns participantes experimentaram um aumento em certos micróbios e outros uma diminuição.

Muitos tiveram um aumento nos micróbios intestinais que auxiliam na produção de ácidos graxos de cadeia curta. Esses ácidos graxos reduzem o risco de doenças inflamatórias, bem como diabetes tipo 2, obesidade e doenças cardíacas.

Após o período inicial de seis semanas, os participantes retornaram às seis semanas de seu estilo de vida sedentário normal. Quando os pesquisadores coletaram amostras dos microbiomas dos participantes novamente no final deste período sedentário, descobriram que os microbiomas haviam voltado a ser como eram antes do período de exercício, sugerindo que o impacto do exercício sobre o microbioma por um período de apenas seis semanas pode ser transitório.

O estudo reforça que o exercício deve ser feito regularmente e que a interrupção do exercício causa reversão, pois isso é evidente em outras adaptações induzidas pelo treinamento em outros tecidos, como o músculo. E com com esse estudo, conseguimos observar que há mudança, mas precisamos entender se períodos mais longos de exercício causam mudanças maiores. Por isso, é necessário mais estudos.

Vale reforçar que idade, genética, composição corporal, medicamentos, presença de doenças, mudanças na dieta e estresse (como a privação de sono) são alguns dos muitos fatores que podem impactar a composição ou função do microbioma intestinal. 

Esses estudos agregam conhecimentos importantes sobre a influência da composição corporal e prática de exercícios na resposta do microbioma.

 

*O conteúdo desta matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.

 

Referências Bibliográficas

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