23/05/2024 - 10:09
No dia 14 de outubro de 2022, o Conselho Federal de Medicina divulgou uma resolução que restringia os usos da cannabis medicinal, permitindo sua receita apenas para tratamentos de Síndrome de Dravet, Lennox-Gastaut e no Complexo de Esclerose Tuberosa. Devido à grande repercussão contra essa resolução, ela foi suspensa temporariamente no dia 20 de outubro do mesmo ano.
A partir de então, não houve uma nova resolução, não existindo nenhuma vigente nos últimos dois anos. Contudo, este ano, 2024, há a possibilidade de uma nova resolução, ou retorno da antiga, ser divulgada até o fim do ano, o que preocupa médicos e pacientes que utilizam esses medicamentos à base de cannabis.
Principais usos e benefícios da cannabis medicinal
Em entrevista com o doutor Pedro Pulcherio, médico integrativo e pioneiro no tratamento com cannabis medicinal, o especialista explicou os principais usos desses medicamentos.
Dr. Pedro Pulcherio. “A maconha medicinal é utilizada para tratar uma variedade de condições de saúde. As substâncias ativas da maconha, principalmente o CBD (canabidiol) e o THC (Tetrahidrocanabinol), são utilizadas na medicina para o tratamento de situações como esclerose múltipla, epilepsia e dor crônica causada pela artrite ou fibromialgia. Além disso, a maconha medicinal pode ser usada para diminuir a rigidez muscular e a dor neuropática em pessoas com esclerose múltipla, entre outros”.
Quanto aos benefícios desses tratamentos, o médico ressalta.
Dr. Pedro Pulcherio. “Os benefícios terapêuticos são diversos. Pode aliviar dores crônicas, causadas pela artrite, fibromialgia ou enxaqueca; diminuir a inflamação em doenças como síndrome do intestino irritável, psoríase, doença de Crohn e artrite reumatoide; aliviar náuseas e vômitos causados por quimioterapia, e estimular o apetite em pacientes com AIDS ou câncer. Além disso, a maconha medicinal tem mostrado resultados significativos no tratamento de diversas doenças, como epilepsia e esclerose múltipla”.
Consequências de uma nova resolução e da restrição dos usos da cannabis medicinal
Quanto à possibilidade de retorno à resolução antiga ou da divulgação de uma nova com as mesmas restrições, o doutor revela algumas das consequências possíveis.
Dr. Pedro Pulcherio. A restrição do uso medicinal da maconha poderia potencialmente limitar o acesso dos pacientes a um tratamento que tem se mostrado eficaz para uma variedade de condições de saúde. Além disso, a restrição poderia desacelerar ou barrar pesquisas científicas sobre a maconha medicinal.
Segundo ele, a Associação Médica Brasileira de Endocanabinologia e a Associação Pan-Americana de Medicina Canabinoide estão trabalhando para garantir o direito dos médicos de prescrever canabinoides para seus pacientes. Além disso, promovem a divulgação de informações de qualidade relacionadas à medicina canabinoide tanto à população quanto à classe médica.
Diferenças entre o THC e o CBD
Para aprofundarmos o assunto quanto aos medicamentos à base de cannabis medicinal, o nosso colunista, Dr. Pedro Rosa, explica as principais diferenças entre os dois mais usados canabinoides, tanto em relação à eficácia quanto aos riscos de uso.
Dr. Pedro Rosa. “A cannabis medicinal é composta por diversos canabinoides, entre os quais destacam-se o THC (tetra-hidrocanabinol) e o CBD (canabidiol). Estes dois compostos, embora originados da mesma planta, possuem propriedades farmacológicas extremamente distintas”.
“O THC é o principal componente psicoativo da cannabis. É conhecido por seus efeitos euforizantes, associados ao uso recreativo da maconha. Esse composto age principalmente sobre os receptores CB1 no cérebro, alterando a percepção, humor, e comportamento do usuário. Ainda, o THC é também um agente controverso no campo da medicina. Embora existam algumas evidências de que pode ser útil no tratamento de náuseas e vômitos, induzidos por quimioterapia, bem como em certos casos de dor crônica, ele é frequentemente associado a efeitos adversos significativos. O THC tem potencial muito relevante para causar dependência, e seu uso contínuo pode levar a problemas cognitivos e uma maior incidência de transtornos mentais, inclusive transtornos do humor e psicóticos”.
“Em contraste, o CBD é não-psicoativo e não causa dependência. Ele tem ganhado reconhecimento por seu perfil de segurança e por algumas propriedades terapêuticas. O CBD age de maneira diferente no organismo, interagindo com uma variedade de receptores que modulam a inflamação, a dor e outros processos fisiológicos. Em termos de segurança, o canabidiol tem se mostrado bastante promissor, com uma baixa incidência de efeitos colaterais, a maioria dos quais são leves e temporários, e sem relação com o surgimento de dependência ou de transtornos mentais”.
Ainda sobre as diferenças entre esses dois canabinoides, o psiquiatra ressalta que há uma investigação ampla quanto a eficácia do CBD, especialmente no tratamento de epilepsia e dor crônica.
Dr. Pedro Rosa. “Em relação à epilepsia, estudos robustos e ensaios clínicos randomizados demonstraram que o CBD pode reduzir significativamente a frequência de crises convulsivas em pacientes com epilepsia refratária. No campo da dor crônica, o CBD também tem mostrado potencial clinicamente relevante. Pacientes com dores neuropáticas, artrite e outras condições dolorosas crônicas relataram alívio significativo após o uso de CBD. No entanto, é importante notar que, enquanto a eficácia do CBD para estas condições é bem suportada por evidências, o mesmo não pode ser dito para o THC, cuja eficácia e segurança são menos estabelecidas”.
Em relação à segurança do uso, o CBD tem isso como um de seus pontos mais fortes. Estudos indicaram que esse canabinoide é bem tolerado, ainda que em doses elevadas.
Dr. Pedro Rosa. “O CBD, com seu perfil de segurança comprovado e eficácia terapêutica para graves problemas de saúde, pode ser liberado para produção e prescrição de forma independente da maconha recreativa. Tal medida permitiria que pacientes que necessitam desse composto tenham acesso seguro e regulamentado ao tratamento, sem incentivar o uso recreativo da maconha”.
Educação de uso do cannabis medicinal contra a restrição
Ambos os profissionais revelaram benefícios do uso desses medicamentos à base de cannabis medicinal, explicando suas formas de tratamento para as mais diversas doenças, muitas delas ainda sem outras formas de tratamento com os mesmos resultados positivos. O doutor Pedro Rosa, ainda enfatizou a diferença entre os dois principais canabinoides, explicando os benefícios do CBD e da segurança de seu uso, em contraste com o THC, que pode levar a reações negativas.
O psiquiatra termina ressaltando a importância da educação médica e da população geral quanto aos pontos positivos desses medicamentos canabinoides, diferentemente dos negativos do uso da maconha recreativa.
Dr. Pedro Rosa. “É vital que médicos e profissionais de saúde sejam devidamente educados sobre suas indicações e limites. A educação contínua pode garantir que o CBD seja prescrito de maneira responsável e eficaz, maximizando os benefícios para os pacientes e minimizando os riscos. É interessante notar que, embora a prescrição excessiva de medicamentos como benzodiazepínicos e drogas Z seja um problema reconhecido, nunca resultou na proibição dessas substâncias. Medidas de controle de seu uso são fundamentais”.
Para saber mais sobre os usos, benefícios e formas de tratamento da cannabis medicinal, assista ao podcast da IstoÉ Bem-estar com o doutor Pedro Pulcherio.
Colaborações: Dr. Pedro Pulcherio, formado em medicina pela Universidade Gama Filho/Estácio de Sá, Rio de Janeiro-RJ. É diretor médico na Clínica Awada, onde exerce a medicina com uma visão integrativa, e pioneiro no tratamento com cannabis medicinal desde 2017.
Dr. Pedro Rosa, formado em medicina pela Universidade de São Paulo com residência em psiquiatria no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP).
*O conteúdo dessa matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.