18/03/2024 - 12:32
A sexsônia, ou sexsomnia, é uma parassonia reconhecida pela quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) sob o diagnóstico de “distúrbios da excitação do sono com movimentos oculares não rápidos —durante o sono não-REM, no limiar entre a vigília e o sono”.
Já a terceira edição da Classificação Internacional de Transtornos do Sono (ICSD-3) cita a sexsônia como “comportamentos sexuais anormais relacionados ao sono”.
De acordo com um estudo publicado no Sleep Medicine, o distúrbio acomete cerca de 7% da população, sendo quase três vezes maior em homens (11%) do que em mulheres (4%).
“Trata-se de um fenômeno complexo que desencadeia ativações neurais patológicas durante o sono, ou no estado limítrofe entre o despertar incompleto e o adormecimento. A condição envolve comportamentos sexuais involuntários, representando riscos ao paciente e a quem convive com ele”, afirma a terapeuta sexual Claudia Petry.
Segundo pesquisa publicada no Journal of the American Academy of Psychiatry and the Law, envolvendo 1.000 adultos com parassonias na Noruega, a prevalência de atos sexuais durante o sono foi de 7,4%. Comparativamente, 22,4% apresentaram prevalência de sonambulismo durante a vida, 66,8% de conversas durante o sono, 10,4% de terrores durante o sono e 4,5% de alimentação relacionada ao sono.
Em referência ao Dia Mundial do Sono (15/03), a especialista cita fatos importantes para servir de alerta sobre a sexsônia:
Onde mora o perigo
Segundo a sexóloga, os atos realizados durante o sono incluem masturbação, orgasmos espontâneos, vocalizações sexuais, sexo oral, sexo anal, carícias em outra pessoa, tentativa de relação sexual e relação sexual completa.
Estudos concluíram que 75% dos indivíduos que se envolveram em atividades sexuais durante o sono eram homens, sendo que até 96% não se lembraram do que fizeram após acordar. “O indivíduo que sofre de sexsônia não tem consciência de suas atitudes, e a limitação de suas funções cognitivas resulta na pouca responsividade à intervenção externa”.
O perigo maior é que, durante o episódio, é comum haver alterações no comportamento sexual, incluindo atitudes agressivas e violentas. “Por isso, a condição gera impactos psicossociais imensuráveis, podendo levar a situações potencialmente perigosas e chegar a extremos como lesões físicas e até mesmo a abusos sexuais inconscientes”, alerta Claudia.
Em uma análise com 110 pacientes encaminhados para um centro de sono, 52 deles estavam relacionados a alegações de agressão sexual. “Não à toa, o distúrbio já virou caso de tribunal. Entretanto, são eventos desafiadores para litigar, pois é difícil provar se uma agressão aconteceu ou não como resultado da sexsônia”, explica a especialista.
Fatores relacionados
Conforme a terapeuta sexual, a combinação de fatores genéticos e externos/ambientais, como o estilo de vida, pode ser determinante para o risco de desenvolver o distúrbio.
“Os principais fatores associados incluem privação de sono, fadiga, estresse, ansiedade, dessincronização circadiana, apneia obstrutiva do sono, bruxismo, síndrome das pernas inquietas, além do uso de álcool, drogas e medicamentos psicotrópicos”, afirma a especialista.
O desafio de buscar ajuda
O constrangimento e a dificuldade de reconhecer o problema atrasam a busca por ajuda médica. “Não raro, pessoas com sexônia buscam terapia sexual, pois se sentem mais confortáveis para desabafar, e também por acreditarem que se trata de um distúrbio sexual”, reforça Claudia.
A especialista orienta que o paciente fale abertamente com sua parceira e/ou com as pessoas mais próximas. “Ter uma rede de apoio é fundamental tanto para lidar com o aspecto emocional como para o encorajar a dar início ao tratamento”.
Diagnóstico e tratamento
O diagnóstico de sexsônia começa pela análise do histórico médico, familiar, bem como dos hábitos de vida do paciente, incluindo a rotina de trabalho, sono, alimentação, atividade física e o uso de medicamentos, álcool e substâncias lícitas e ilícitas.
Também é preciso realizar exames clínicos/laboratoriais e a polissonografia, principal estudo que acompanha todo o ciclo do sono do paciente e avalia seu comportamento sexual noturno.
“O objetivo é identificar possíveis comorbidades orgânicas, neurológicas e psiquiátricas. Com base nos resultados, o especialista irá elaborar um tratamento adequado às necessidades do paciente”, explica a sexóloga.
Quanto ao tratamento, embora não haja diretrizes formais de conduta para esse distúrbio, as estratégias farmacológicas geralmente não costumam ser opção na etapa inicial.
“Além de haver poucas evidências sobre seus efeitos na parassonia, os medicamentos usualmente prescritos não são totalmente eficazes e têm vários efeitos colaterais. Quando o uso for realmente necessário, o paciente deve ser bem informado sobre as possíveis reações e acompanhado de perto pelo médico”, alerta ela.
Normalmente, o tratamento da sexsônia é voltado para os gatilhos que desencadeiam os episódios, sejam eles orgânicos ou não. “Por exemplo, em casos associados ao consumo de drogas ou álcool, a abordagem será focada no desuso gradual dessas substâncias”, afirma Claudia.
Ademais, as estratégias mais eficazes são a terapia cognitivo-comportamental, a hipnose, a higiene do sono e os despertares programados. “A higiene do sono ajuda a estabelecer uma rotina regular para deitar e levantar, enquanto os despertares programados envolvem acordar a pessoa pouco antes do horário em que ela normalmente tem um episódio de sexsônia”, enfatiza.
Consequentemente, segundo a sexóloga, estas mudanças de hábitos também ajudarão a minimizar a ansiedade e o estresse.
Outras medidas não menos importantes: como o tratamento da sexsônia pode não ter respostas tão imediatas, é essencial criar medidas de segurança. Dependendo da situação, isso pode envolver: dormir em um quarto separado, com a porta trancada; ficar longe dos gatilhos; instalar detectores de movimento, especialmente em casos de sonambulismo associado; entre outras adaptações.
“Vale lembrar que a sexsônia é um distúrbio real e comprovado, com importantes consequências na vida das pessoas acometidas. Portanto, não hesite em buscar ajuda especializada ao menor sinal do transtorno”, finaliza Claudia.
Colaboração: Claudia Petry, terapeuta sexual, membro da SBRASH (Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana). É especialista em Educação para a Sexualidade pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC/SC) e professora no Instituto de Parapsicologia e Ciências Mentais de Joinville (SC).
*O conteúdo desta matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.
**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.