Nessa semana, recebi um print de meme ironizando a fadiga da mulher moderna, causada por seus check lists. “Ah… lá vem ela com White People Problems” —alguns de vocês pensarão. Sendo que, na realidade, meu recorte está mais para uma minoria Yellow —via grupo de Whatsapp, algumas mulheres que são mães, solteiras, casadas, divorciadas, e em comum, na faixa dos 35+, que tem “tudo” o que lhes é esperado do combo para serem bem felizes —estabilidade profissional, independentes, lindas e “saudáveis”. 

Voltando ao print, confesso que sempre que recebo algum dou uma risadinha interna e escrevo um hahaha —sim, sou do haha e não do rs. Mas dessa vez, quando recebi percebi que fiquei incomodada, criou algum tipo de identificação com meu momento e mexeu em alguma feridinha em comum. 

Estava sendo banalizado e ironizado o cansaço da nossa geração? Era legal ser multitask? Era normal ou esperado? Indignada, talvez. Mas acima disso, percebi que era mais do que um deboche com a fadiga da mulher moderna, era um sinal para nós revermos nossos eternos check lists. E a partir daqui, quero compartilhar com você a imagem para que te gere a mesma visualização:  

Uma lista —estilo check list — imensa, com diversos “to do” para se atingir um dia pleno, saudável e de sucesso —começava falando sobre acordar antes do sol raiar, meditar com mantras, tomar banho frio, estudar mandarim e ler sobre estoicismo, fazer exercícios espartanamente usando o smartwatch, enquanto implementa a educação para a paz com seus filhos, cultiva a comunicação não violenta e nutre as 5 linguagens do amor com seu companheiro, segue fazendo o planejamento da sua próxima viagem internacional de férias em classe executiva (afinal, você é uma mulher de sucesso), enquanto toma seu matcha latte com leite vegetal e moon sugar para quebrar o jejum. 

Sou capricorniana e, entenda, eu sou pragmática. Adoro um check list por ser algo visual e fácil de ticar! Também sei que para alguns (outros capricornianos e virginianos) pode soar como deleite seguir uma lista de tarefas, mas no geral, acaba se tornando um martírio intangível seguir isso ao longo da semana, do mês e imagine, levar a vida assim. 

O utópico ou a receita de bolo é sempre fadada ao fracasso —ao fracasso da motivação ou da exaustão por ser absolutamente insustentável manter uma mesma rotina ao longo do tempo para a maioria dos mortais.

Entendo que o estilo check list pode conter também diversas atitudes mentais e gatilhos que podem ser adotados como estratégia para se estimular uma rotina com mais saúde, mais produtividade, para nos dar ferramentas e conhecimento para melhores relações interpessoais, ou mesmo, para sermos “sempre nossa melhor versão” —ou a versão que escolhemos ter naquele momento. Mas são tantos “tem que” na tentativa de fazer ou dar conta de algo utópico, que, nem sempre o resultado ou recompensa pode  significar de forma igual autorrealização, saúde ou bem-estar para todos.

A grande verdade é que a máxima soa verdadeira: “a ignorância é uma benção” —e nesse caso, pode ser considerada parcialmente, no sentido de que, se não soubermos de algo, não há peso na consciência e não há culpa, certo? 

Veja bem, não sou a favor de não estudar, não à toa estou aqui conversando com vocês quinzenalmente, compartilhando e incentivando que o conhecimento é uma forma de cultivar saúde e bem-estar na vida das pessoas. Mas também trago a reflexão de que podemos estar vivendo o over.

O fato é que o excesso de informação pode se tornar um verdadeiro gatilho para o bem-estar. São tantas informações e “tem que” diferentes chegando e mudando o tempo todo. Que, se a pessoa absorve uma informação sem se conhecer verdadeiramente, ou sem filtrar se aquilo faz sentido implementar na sua vida naquele momento, há um efeito negativo e dominó por falta de se conectar verdadeiramente com suas próprias necessidades, prioridades ou realidade.

 

Já ouviu falar na Pirâmide de Maslow? 

Te convido a conhecer um pouco de um famoso conceito das necessidades que pode ajudar a entender que há hierarquias nas nossas necessidades —como se houvesse prioridades básicas na vida do ser humano. Esse conceito é só uma forma didática da gente conseguir elucidar e visualizar em forma de pirâmide, um conjunto de necessidades de todo ser humano para atingir graus de satisfação. 

A base da pirâmide é sólida como a fundação de um prédio, sem ela não é possível criar um andar acima. Para se ter ideia, na base ficam as necessidades básicas de sobrevivência como a alimentação. Isso é, sem essa necessidade suprida,  não é possível atingir ou se pensar em atingir qualquer outro nível. Fica fácil imaginar uma pessoa com fome, ela precisa suprir essa necessidade e não consegue nem projetar algo sobre bem-estar e satisfação pessoal, certo?  Primeiro, necessidades básicas, como comer, dormir e saúde.

Voltando ao meme, entre risadas e emojis de carinha derretendo, comentamos que a geração anterior a nossa, no caso, a das nossas mães, provavelmente não se questionaria sobre essa “fadiga”. Levantamos a hipótese de que, talvez, nossas mães pouco tivessem espaço, tempo, ferramentas ou mesmo oportunidades para um momento de epifania, questionando-se sobre seus papéis na sociedade, ou mesmo pessoais. A geração baby boomers possivelmente estava mais focada em suprir as necessidades da base, pensar em ter filhos e prover. A tendência é que a nossa régua fique cada vez mais alta e nossa autocobrança com a auto realização também. Mas a verdade é que atingir o topo da pirâmide continua sendo intangível para a geração passada, para a atual e, para a próxima. A partir do momento que o que é considerado básico é suprido, demandas surgem de outros aspectos da vida, o que pode gerar frustração e angústia.

 

O conhecimento e a liberdade de escolha te trazem mais responsabilidade?

À medida que sabemos e entendemos as coisas, cada decisão traz mais responsabilidade, ainda que decidir não seja a parte mais difícil para nossa geração, temos muita dificuldade de arcar com as renúncias e as consequências de cada “boa e má” decisão. A gente percebe que os passos para atingir o topo da pirâmide parecem ser absurdamente simples, já que a base geralmente está já bem sedimentada por outras pessoas que garantiram para nós. 

Trazendo para a perspectiva do check list para uma vida plena.  A realidade é que nem sempre conseguimos “ticar” todos os quadradinhos da lista. Nem sempre, conseguimos ser a melhor versão esperada pelos outros. Nem mesmo ser a melhor versão para nós mesmos, certo? Mas à medida que somos a parte da população privilegiada com acesso a tudo e tanto, nos culpamos se não realizamos, se não fazemos o que já é sabido que seria bom ser feito e que faria tão bem.

 

Sobre estar confortável com as escolhas

E como saber se faz sentido o que se consome ou escolhe fazer? Tudo depende de você. Como  você chega aí e como você digere?  Achei graça esses dias, que uma paciente falou orgulhosa, olhando o celular, que tinha que selecionar um check, por um instante, porque o app de meditação sinalizou que ela ficaria pendente nessa tarefa. Pode ser uma estratégia que a conecta, não tenho dúvidas de que há benefícios. Mas será que tudo tem que ser na base do “tem que” e não do “sentir vontade de”?

Pois é algo que se estende a tudo, até à academia de bike com ranking de classificação —ai de você, se você faltar. O app de corrida que instiga um pace melhor a cada dia —isso é – evoluir! Peraí, somos praticamente Pokémons para estar em eterna evolução? Não basta apenas fazer, estar ou curtir? Tenho mesmo que lutar e competir? Tem que estar conectado ao app, celular ou notícia? 

Sei que há perfis diferentes, e para algumas pessoas, listas to do, smartwatches, planners, apps, competição, ranking podem fazer todo sentido como ferramentas ou estratégias para conduzir em um momento ou para toda a vida. 

Mas me soa perder algo que nos conecta a nós mesmos, não só ao corpo mas à mente e nossas necessidades. Perdemos o desfrutar de sentir coisas corriqueiras. A corrida que era prazerosa, virou um ranking também? 

Se permitir ser flexível consigo reavaliar o que é positivo e agregador, ou reavaliar seu custo benefício, é importante! Por mais auto observação! Minha proposta é: se você tem se queixado de exaustão, saiba que tantas outras podem sentir o mesmo peso onde não deveria existir. Que haja sim espaço para listas —se assim você desejar, que as informações que te cheguem façam parte da sua rotina —se assim gerar mais leveza nesse momento da sua vida. 

Que possamos agregar e não ser apenas mais uma cobrança de um eterno check list na vida. Pense nela como uma pirâmide com mais “to be” que “to do, combinado? 

 

*O conteúdo dessa matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.