O que é apego?

Esse conceito é derivado da teoria do apego, desenvolvida pelo psiquiatra e psicanalista John Bowlby na Inglaterra nas décadas de 1960 e 1970. Bowlby criou essa teoria a partir de suas observações clínicas e de sua experiência como psiquiatra infantil. Ele acreditava que o apego é uma necessidade biológica fundamental para a sobrevivência humana e que os bebês são programados biologicamente para buscar a proximidade e o contato com seus cuidadores. 

Especificamente, essa teoria descreve que nós temos um sistema comportamental moldado pela seleção natural e presente nos descendentes imaturos para apoiar a sua sobrevivência. Sabemos que os seres humanos nascem absolutamente indefesos, e assim permanecem por muitos anos. Diante disso, as crianças monitoram ativamente o paradeiro e a disponibilidade de figuras de apego (em geral os pais), sinalizando ou procurando ativamente esses indivíduos quando há “pistas naturais” de ameaça no meio ambiente. 

Assim, esse sistema de apego, presente em todos nós desde o nosso nascimento, liga diante da ameaça e desliga diante da segurança. Todo indivíduo precisa de segurança para a exploração do ambiente que toda criança gosta e precisa realizar. E essa exploração, saudável e necessária, precisa acontecer na presença de uma base segura mesmo que não haja ameaças visíveis. Essa base funciona como um refúgio de segurança quando o sistema de apego for ativado pelo surgimento de novas ameaças.

Diante de problemas inevitáveis ao longo dessa exploração, o indivíduo recua para a base segura (em geral composta pelos pais) e, espera-se, ser acolhido, apoiado e encorajado por ela.  Esse processo ocorre inúmeras vezes ao longo do desenvolvimento de um ser humano, claro, adquirindo as características próprias de cada idade, e assim se torna cada vez mais complexo e com contextos mais variados. Por conta disso, os pais devem estimular a exploração eficaz fora do relacionamento pai-filho e servir como base segura conforme necessário, quando a criança recua por algo que não deu muito certo. Ao longo do tempo, repetidas experiências de cuidado e apoio auxiliam a criança a adquirir habilidades mais sofisticadas para regulação emocional, necessário para enfrentamento e adaptação à adversidades, oportunidades de aprendizado e assimilação de habilidades para resolução de problemas e das dificuldades em situações interpessoais.

Assim, esse mecanismo todo oferece um suporte essencial para a exploração efetiva do ambiente e promove a autonomia e o desenvolvimento da personalidade do indivíduo. O que se espera é que, ao fim desse desenvolvimento, surja um adulto com o que chamamos de apego seguro. Isso acontece na medida que o indivíduo internaliza um sistema de apego dentro de si, funcionando de maneira autônoma, mas ainda afetivamente ligada às figuras de apego principais.

 

E como é uma pessoa com apego seguro?

  • Acredita que as pessoas, em sua maioria, são confiáveis e podem lhe oferecer apoio à exploração do mundo;
  • Acredita que precisa delas e elas precisam de si, e assim está apto a construir um relacionamento colaborativo com os outros;
  • Percebe que há limites nítidos entre si e o outro, possuindo dessa forma uma identidade íntegra;
  • Sente que é possível construir relacionamentos íntimos saudáveis, inclusive expondo a própria vulnerabilidade ao outro; sendo capaz de acolher a vulnerabilidade demonstrada pelo outro;
  • É hábil na percepção das emoções do outro e do efeito que tem sobre o outro, assim como compartilha o sofrimento do outro quando adequado;
  • Demonstra habilidade para entender as vivências e razões das pessoas em diversas circunstâncias. Mostra empatia e valoriza os pontos de vista alheios, mesmo quando não concorda com eles.

 

Motivos e as relações interpessoais

Você provavelmente percebeu que todos esses itens se referem a como as pessoas se relacionam umas com as outras. E saiba que uma característica muito conhecida do comportamento interpessoal é que ele é motivado. Os motivos se referem aos desejos, necessidades ou preferências internas que impulsionam e direcionam o comportamento humano e, que também, tornam esse comportamento gratificante e valioso. Eles podem ser vistos como as forças subjacentes que empurram os indivíduos para determinadas ações ou objetivos. Note que nem sempre sabemos qual é o motivo do nosso comportamento (ainda que certamente haja um). Claro, perceber melhor os próprios motivos é um excelente primeiro passo para a sua saúde mental. Mas o que apego tem a ver com os motivos? Te explico.

Eu descrevi no início desta coluna que o sistema de apego mantém a criança motivada para permanecer perto e conectada ao adulto. Isto é, trata-se de uma manifestação precoce de motivo de comunhão para ajudar na sobrevivência da criança. Entretanto, na medida em que a criança se sente segura sobre a disponibilidade do cuidador, busca se separar e explorar o ambiente de forma autônoma. Aqui, trata-se de uma manifestação precoce de um motivo de Agência. Guarde essas palavras: agência e comunhão.

Mais especificamente, agência se refere a controle, poder, dominância e status: influência de uma pessoa sobre a outra. Atuando com agência, o indivíduo se vê como distinto, com foco na influência, controle e maestria do próprio sujeito sobre si, sobre o outro e sobre o ambiente. De forma diferente, comunhão se refere a filiação, ternura, conexão, amor, vínculo: motivação para participar em uma união com outras pessoas. A comunhão se refere à colaboração e busca por harmonia, assim como a evitação de conflitos.

Essas duas dimensões de motivos para as nossas relações com as outras pessoas são independentes entre si. Isto é, alguém pode ter motivação de agência elevada e de comunhão baixa, ou vice-versa. Além disso, alguém pode ter ambas as motivações elevadas ou ambas baixas. Ainda, por ser uma dimensão, há inúmeros níveis entre dois extremos (entre extrema motivação de comunhão e motivação quase inexistente de agência, por exemplo). Vale a pena refletir sobre quais motivos são importantes para si, já que compõem linhas temáticas gerais da vida de uma pessoa. Acredite, a história das nossas vidas gira entre esses dois eixos: agência e comunhão.

E a nossa personalidade?

E o que isso tudo tem a ver com a nossa personalidade em geral? Há 3 semanas eu apresentei vocês o modelo dos cinco fatores, e dois desses cinco fatores tem tudo a ver com esta organização da personalidade: extroversão (energia e agência) e amabilidade (comunhão e empatia). Isto é importante inclusive para entendermos como a nossa vida interpessoal, organizada em motivos de agência e de comunhão, tem a ver com as emoções negativas e estresse (fator neuroticismo), com a realização de tarefas e performance (fator conscienciosidade), e com o fator abertura para experiências. Mas, claro, esses são temas para outras colunas minhas aqui na Isto é Bem-estar!

Uma vida interpessoal é extremamente importante para cada um de nós, e a maneira como funcionamos nas situações interpessoais tem grande relação com as nossas relações com figuras de apego ao longo do nosso desenvolvimento. Ao longo das próximas colunas vou explorar mais esse tema de motivos de agência e de comunhão, e como podemos perder a nossa saúde mental se não conseguimos atender a eles. Até a semana que vem! 

 

*O conteúdo desta matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.