Um convite para você, que não é “zen”: reaprender a respirar para ter saúde! 

Queria convidar aquelas pessoas mais avessas às abordagens consideradas “zens” e alternativas ou aquelas que têm um certo preconceito ao ler essa chamada, a conhecerem os benefícios dessa técnica. E, para ajudar na causa, trago estudos e dados científicos que te farão repensar a forma de lidar com algumas situações no dia a dia usando uma ferramenta disponível, gratuita e sem contra-indicações.

Os avanços da ciência nos permitem entender cada vez mais as conexões entre o sistema neuroendócrino e as respostas psicossomáticas (fisiológicas) do corpo. Vou trazer exemplos para você visualizar: quem nunca ficou ansioso e sentiu o tal frio na barriga por conta de algum evento inesperado? Ou quem nunca sentiu o coração disparar e as mãos suarem quando estava se sentindo nervoso? 

Aproveitando que falei sobre o nervosismo e a ansiedade, um assunto que ganhou destaque no pós-pandemia foi abordar o impacto do estresse e da saúde mental nas nossas vidas. Atualmente, mais difundido, já se entende que esse assunto não é “mimimi”. O estresse afeta pessoas em diferentes faixas etárias –de crianças a idosos – sem distinção de sexo ou nível socioeconômico. Para se ter ideia da dimensão desse problema, ele afeta 350 milhões de pessoas no mundo todo e repercute não só no aspecto mental,  mas também em  marcadores de saúde  física.

Mas será que todo mundo passa pela mesma coisa e reage da mesma forma?

Todos enfrentamos respostas fisiológicas semelhantes ao estresse, mas a percepção do que é o estresse para cada um de nós é diferente. Uma mesma situação pode ser vivenciada de forma distinta, cada um tem uma capacidade individual para elaborar e lidar com as situações.

De um ponto de vista evolutivo, o estresse, a ansiedade e até mesmo o medo têm raízes em reações de defesa instintivas. Basta pensar em um animal na natureza quando se depara com uma ameaça ou é atacado, há uma série de respostas chamadas de neurovegetativas que caracterizam a sua reação para sobreviver  –em uma resposta que chamamos de luta ou fuga. Em situações em que a pessoa entende que está ou se sente sob risco ou ameaça, o mesmo padrão ocorre. Mecanismos são acionados para reagir, levando a alterações cardiovasculares manifestadas pela sensação de palpitação e taquicardia –elevação da pressão arterial; aumento do ritmo cardíaco;  suor descontrolado (sudorese);  sensação de secura na boca; nó na garganta; formigamento e aceleração do padrão respiratório (hiperventilação). 

Além disso, as reações se estendem ao aumento da liberação de substâncias chamadas catecolaminas (adrenalina e noradrenalina), estimulando a atividade adrenérgica com efeitos similares à ativação simpática. O que aumenta o aporte sanguíneo tanto para o cérebro com o objetivo de  fazer você ficar ainda mais atento quanto para os músculos que se contraem para que você possa reagir, correr ou lutar. Essa cascata de reações leva a uma resposta pró-inflamatória, sobrecarregando todo o corpo. Já é amplamente difundido que níveis de cortisol cronicamente elevados podem ser prejudiciais, inibindo o funcionamento do sistema de defesa do corpo e atrapalhando a estrutura e função do hipocampo (queixas de problemas com memória e cognição) e o cérebro fica “cansado”. 

A ciência comprova que o estresse é considerado um importante fator de risco para o desenvolvimento de doenças crônicas e ele se relaciona ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares, hipertensão, depressão, ansiedade, abuso de substâncias e até morte. 

Entenda como a forma que você respira muda marcadores de saúde do seu corpo!

Estudos científicos identificam uma correlação entre a forma que se respira e as alterações autonômicas do nosso corpo. Por exemplo, numa situação estressante, a tendência é inspirar mais vezes e expirar de forma curta. A respiração se torna bem rápida, superficial e curta, o que altera o tempo de pausa sem respirar (apneia) e influencia na profundidade da respiração –ativando ainda mais as vias de estresse – como se a sua respiração disfuncional ativasse mais fatores estressantes e e conduzisse à hiperventilação e  tensão muscular e rigidez em músculos da face e ombros. Geralmente, quando uma pessoa experimenta uma situação desafiadora em uma rotina não saudável, há mudanças que perduram e repercutem em longo prazo. 

A ideia de hoje é te ensinar a romper esse ciclo com uma ferramenta simples e acessível, para regular o estresse do corpo de forma imediata. Mas antes, vamos rever informações essenciais sobre a respiração:

  • A forma que se respira se relaciona às alterações autonômicas do corpo –que não controlamos de forma consciente;
  • A hiperventilação é a resposta do seu corpo ao estresse –aquela respiração bem curtinha;
  • O padrão respiratório disfuncional piora ainda mais a  resposta ao estresse –respirar assim só piora as respostas do seu corpo e te gera mais estresse.

Estudos  identificam uma forte correlação entre a condição psicológica e alterações no padrão da respiração das pessoas. Uma cena típica de quem vive sob tensão é aquela pessoa que respira e só movimenta a parte de cima do tronco –peito e ombros  -, um clássico de quem “respira curto” e geralmente vive em ritmo acelerado. Para evitar esse tipo de respiração que se concentra de forma superficial no tórax (em um padrão chamado apical), a ciência traz a técnica da respiração diafragmática. 

Cientistas que pesquisaram os efeitos desse padrão de respiração mostraram reduções significativas de marcadores de estresse como cortisol. Estudos recentes apontam a redução da frequência respiratória, melhorando a atividade vagal (do nervo vago), reduzindo a reação do sistema nervoso simpático, melhorando o fluxo de sangue no corpo, reduzindo a frequência cardíaca e reduzindo a  pressão arterial. Assim, a forma que você respira pode sim se tornar um recurso disponível para o controle do estresse em curto e longo prazo. Ao fazer isso, de forma imediata você sinaliza o corpo e faz uma pausa para que seu cérebro entenda e monitore os níveis de dióxido de carbono (CO2), utilizando melhor o oxigênio da próxima inspiração. 

Vamos a prática…

Mais do que pregar sobre um método ou técnica específicos como “box breathing”, respiração quadrada, e tantas outras existentes, trago apenas que, independente da escolha do padrão, é possível a todos começarem com o simples respirar de forma consciente para colher benefícios. Proponho que você comece com esses exercícios propostos a seguir. Não se cobre e  teste inserir na sua rotina quando possível.

Sentado. “Sente-se confortavelmente”. Sei que você pode ler essa frase e pensar que começarei o clichê típico de quem irá começar a te ensinar a meditar em posição de Lótus. Mas lembre, essa matéria é para você, que não é nenhum “mestre yogi” e sem experiência prévia nesse universo mais integrativo. 

  1. Sente-se numa cadeira, sofá ou poltrona, em uma postura ereta, mas confortável –uma sugestão é colocar uma almofada na sua lombar para se apoiar. Coloque as mãos apoiadas sobre os joelhos, com apoio dos pés no chão. 
  2. Você pode iniciar com olhos abertos ou fechados, como se sentir mais confortável. Vamos começar dando um reset na sua respiração atual. Inspire o ar pelo nariz e exale todo o ar pela boca para iniciar o exercício. Agora, “puxe” o ar suavemente pelo nariz em 3 tempos –você pode contar até 3 mentalmente. Retenha-o pelo mesmo tempo e de forma confortável. Solte-o pela boca calmamente no mesmo tempo de contagem de 3. Aos poucos, tente aumentar o tempo que você se mantém retendo o ar nos pulmões, proporcionando uma melhor troca gasosa. Conforme respira, o seu cérebro irá se autorregular de forma mais eficiente.

O maior erro das pessoas é ficar nervosa em não conseguir “não pensar em nada”, ou ainda, se frustrar por não conseguir fazer a contagem certa de tempos entre inspirar e expirar, o que pode gerar mais estresse ao invés de calma. Por isso, reforço que é importante ter em mente que o seu objetivo é conseguir inalar e exalar sem esforço, de forma suave e silenciosa.

*Dicas importantes! Mantenha o foco na forma que você respira, observe a sensação do ar entrando pelas narinas, passando pelo trato respiratório até chegar aos pulmões. Sinta o ar sendo expirado como um sussurrar pela boca –sem fazer bico e sem barulho nem esforço. Lembre-se que a forma que  forma que você respira pode se tornar uma âncora para combater sua agitação física ou mental, e não o oposto te causando mal estar. Comece fazendo pelo tempo que sentir confortável ou que sentir que está usufruindo de benefícios. 

Deitado. Esse segundo exercício pode ser mais simples de ser aplicado quando for deitar ou ao acordar.

  • Deitado de barriga para cima. Apoie confortavelmente as mãos na região entre as costelas e a barriga. O objetivo será respirar usando a respiração do diafragma –considerada a mais eficiente e repleta de benefícios. Ela é naturalmente mais profunda que a respiração apical (que eleva apenas o tórax).

Respiração deitada mãos no tórax

  • “Puxe” o ar pelo nariz, levando-o em direção à barriga. Para saber se está fazendo corretamente, é preciso sentir as mãos elevando e expandindo toda vez que você inspirar. Ao exalar o ar, foque em eliminar todo o ar que levou em direção à barriga, antes de iniciar uma nova inspiração.

Respiração deitada mãos no abdômen

*Dica de ouro! Ao fazer essa respiração à noite, você irá combater o funcionamento do sistema nervoso simpático e reduzir significativamente o estresse, o que garante uma noite de sono de qualidade. Caso opte por fazer pela manhã, você melhora a perfusão de sangue para o cérebro e se auto regula de modo a ter uma maior clareza mental e iniciar o dia com mais controle emocional. 

Inserir a respiração consciente em sua rotina pode contrabalancear sensações negativas, sendo uma excelente ferramenta de enfrentamento da ansiedade. O que eu trouxe aqui é somente um pontapé inicial de como você pode usar a respiração a seu favor na sua rotina, seja no trabalho, no transporte, ou, quando você fizer exercícios físicos. 

Para se ter ideia, modalidades como yoga e pilates estimulam esse tipo de respiração, combatendo os efeitos do estresse e gerando uma maior consciência e controle respiratórios. 

É importante abordar que o estresse se relaciona a uma série de doenças que definitivamente não se limitam à marcadores de saúde mental, mas ao risco de doenças e morbimortalidade. Combater o estresse e aumentar a proteção ao corpo é multifatorial e é necessário procurar por ações em diferentes aspectos da sua vida.

E, claro, amo falar sobre mudanças simples que são essenciais. Naturalmente, tendemos a esquecer que o que é simples é sempre o mais importante, pois as ações simples são facilmente incorporadas como um padrão na vida do ser humano. Por isso, se está se sentindo cansado, ansioso e desgastado, vale repensar os seus hábitos atuais –em todos os aspectos corriqueiros, como a forma que você se alimenta; a qualidade e quantidade de sono que possui atualmente;  rever as escolhas de atividades físicas e a forma que tem feito; priorizar seu autocuidado.

É importante que, caso você apresente sintomas de ansiedade e estresse, busque pelo acompanhamento adequado de uma equipe de diferentes profissionais de saúde trabalhando lado a lado, em especial destaco o papel do psicólogo no tratamento. 

Clique aqui que no meu Instagram coloquei dicas para vocês sobre respiração.

*O conteúdo dessa matéria tem caráter informativo e não substitui a avaliação de Profissionais da Saúde.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.

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